Por
mais que eu queira passar “além do Bojador”, não consigo. E duvido que alguém
consiga. Mais concretamente, é impossível descansar a cabeça ou, sequer,
virá-la para a outra margem sem olhar o rio de sangue e lágrimas que corre
diante dos nossos olhos. Porque os corpos estilhaçados e os estampidos das Kalachnikov, moram
aqui ao lado, entram pelas portas e janelas do quarto onde dormimos.
Longe
de mim empurrar para cima de nós, aqui distantes, os tornados depressivos em que se afogam os
parisienses durante estes dias que são sempre noite escura, sobretudo para os
familiares das vítimas. Tão-pouco repetirei análises exaustivas de comentadores
especialistas que, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, tentam decifrar-nos
o indecifrável. Tentarei apenas colocar quatro ou cinco peças, as mais
impressivas, no xadrez intricado dos trágicos
acontecimentos, afim de alcançarmos a síntese essencial das conclusões.
Onde
estarão as raízes do terrorismo islâmico
ou, mais precisamente da formação do Daesh, o auto-proclamado EI, Estado Islâmico? E se alguém
vier fazer-nos a pergunta com que titulei este nosso diálogo vespertino dos
dias ímpares, que resposta daremos? Nós, jihadistas?
Telegraficamente:
1 – Á
cabeça desta e de todas as chacinas do nosso tempo (de todos os tempos!) está o
dinheiro. A tesouraria. A máquina
registadora. A conta bancária. Venham eles do petróleo, do armamento, da droga,
do comércio de carne humana. O alibi da religião é igual ao das caravelas quinhentistas que
supostamente iam alargar “A Fé e o Império”, mas de lá só pretendiam domínio, território,
ouro e especiarias…
2 – Da
avidez do dinheiro, resulta a exclusão. O
“apartheid”. A segregação. O gueto. O desemprego. Os bairros e favelas. As polvorosas assimetrias e abissais percentagens
entre ricos e pobres.
3 – Do
ventre incestuoso entre dinheiro e exclusão sai o monstro da guerra. Monstro de sete cabeças que se
alimenta da sua própria reprodução. Violência
atrai violência. A intifada gera a metralhadora. A metralhadora deseja o míssil. Depois, o porta-aviões, a insaciável autofagia do corpo-a-corpo no
terreno, a guerrilha urbana. E, por fim,
o feto nauseabundo das armas químicas. “Nunca haverá guerra que acabe com todas
as guerras”.
4 – Por
mais estranho que pareça, do pântano dos mortos e esfomeados, filhos dessa
maldita tríade --- “a economia que mata”, a exclusão e a guerra --- levanta-se
o clamoroso grito da repulsa visceral que desperta, sobretudo nos jovens, a
sede de heroísmo combativo, que os
leva ao cúmulo da esquizofrenia capaz de apertar à cintura o ferrete da morte e entregar a própria vida
abraçados à bandeira do herói e à glória do mártir. A tanto chega o misterioso
psíquico do ser humano!
5 – Por
fim, para abrir portas e dar livre trânsito aos destruidores “quatro cavaleiros
do apocalipse” que acabei de enunciar, lá está de serviço a inércia calculista dos líderes
mundiais. A passividade interesseira: eu dou-te armas em troca de petróleo, eu
ofereço-te tecnologia em troca de estupefacientes e produtos similares.
Estava (e está) no âmbito desta síntese aproximar as
evidências do actual estado de guerra que nos rodeia, mas deixo-as, por
enquanto à vossa pesquisa. Proponho a metodologia mais expedita: começar pelo “teatro
de guerra” lá longe. E, depois, regressarmos ao país, à região, à cidade ou à
aldeia em que vivemos. Tudo, para respondermos frontalmente à questão inicial: “Nós, jihadistas”?
HAJA
CORAGEM!
19.Nov.15
Martins Júnior
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