Se acaso alguém
desembarcasse ontem, pelas 16 horas, em
Lisboa para revisitar os centros de decisão deste país, ficaria atónito com o
súbito abalo das estruturas de Portugal. Parecer-lhe-ia deparar-se com uma
paisagem lunar, onde em menos de 24 horas
tudo se havia virado da direita para a esquerda, o mesmo que dizer do
avesso para o direito.
A
começar pela tragicomédia solenemente
representada nos salões do Palácio da
Ajuda, ao clássico estilo da velha Grécia, onde nada faltou: o corifeu, no alto
do Olimpo, nauseado Zeus de onze noites
mal dormidas; o silencioso coro de anciãos depostos dos seus tronos, com as
mesmas onze mal dormidas noites. Eles
tinham desfilado diante do corifeu supremo quando foram empossados em …..
gritando um hino patriótico “Ave Caesar, morituri te salutant” (Os
que vão morrer saúdam-te, ó Imperador). De
imediato, os jovens combatentes tomam a ribalta do grande palco e assentam-se
nos tronos vazios. O esquálido Zeus empossa o novo comandante no cadeirão real,
mas logo puxa a cavilha da bomba atómica que traz nas mãos e grita-lhe,
alucinado: Dentro em pouco, vou dar cabo de ti.
Mas a beleza do cenário suplanta a “tragédia” : os jovens vitoriosos
formam o semicírculo onde cabem todas as idades e todas as sensibilidades,
direi, todas as etnias do planeta e todos
os cambiantes da condição humana, desde os mais fortes aos mais frágeis.
Ficaria
extasiado de encantamento o nosso visitante com a primavera que, desta vez, em
corpo inteiro vinha passar o inverno a Portugal. Triste e vomitado, só o
corifeu, com o seu “próssopon”,
traduzido em vernáculo, com a sua máscara de malogrado desalento, identificado
com o coro dos anciãos.
Mas
ainda mais atónito ficaria o atento observador quando chegasse à “Acrópole” das
Leis, a Assembleia da Republica, ao ver cadeiras pelo ar, voando de cima para
baixo e de baixo para cima (é mais fácil pôr cadeiras a voar do que gente a
mudar de assento), uns do “céu” para o “inferno”, outros do “inferno” para o
“céu”. Códigos soberbamente aprovados ontem e rasgados hoje em menos de um
fósforo. Dentes, dantes afiados de soberania emprestada, e hoje desdentados maxilares, colados aos
olhos mortiços que só se abrem em
despeitados esgares de vingança.
Enfim,
que “tsunami” passou por aqui? --- perguntaria o nosso visitante. Se eu lá
estivesse, responderia: Não foi um “tsunami”, foi o milagre, não o das rosas,
mas o do Povo. Não o da multiplicação dos pães, mas o da soma inteligente dos
votos, transformados em Dia Novo e justa
recompensa. Desta vez, o Eleitor viu o resultado do seu Voto. E o Eleito soube
receber, interpretar e ampliar a força mensageira daquele mini-quadradinho,
inofensivo e silencioso, que só a urna da vida secretamente guardou.
Haja
o que houver, venha o que vier, ficará o “4 de Outubro de 2015” com o brilho
inapagável de um “25 de Abril” do século XXI, porque aí o eleitor encontrou-se com o eleito,
o fundo foi mais eloquente que a forma, o todo indiviso tornou-se maior que as
partes divididas. Poderá dizer-se que, mais uma vez, cumpriu-se Portugal. É
nesta ponte de convergências que me
apraz levantar a bandeira da Aliança “Povo-MFE”, Povo-Movimento das Forças de Esquerda.
Mesmo
que nem tudo corra de feição --- o óptimo é inimigo do bom, filosofia dos tempos
--- é preciso e é urgente marcar em termos indeléveis que não são os “caudillos” que transformam o mundo: é o Povo, quando unido pela raiz, é ele que vira os ventos da história. e
afeiçoa-os à vela do seu barco até encontrar, ou seja, construir não “as ilhas
do fim do mundo”, mas um país onde se possa respirar e sorrir. Voltemos a
Pessoa:
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.
27.Nov15
Martins Júnior
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