Foi
esta a Semana da Criança. Não apenas o Dia. E por aquilo que se viu, aqui e
acolá, nos pátios das escolas, nas ruas, até no teatro dos santuários, atrevo-me a dizer que foi o Mês – e talvez
mais - da Criança. Acompanhei apaixonadamente
reportagens, declarações, artigos de opinião, muitos até contraditórios, mas
todos ostentando na testa – no coração é que não – o superior interesse da
Criança.
Desejaria
eu, hoje, em fim-de-semana, guardar o tilintante chilreio sem compasso da pequenada
a divertir-se anteontem, seu Dia oficial. Ao contemplá-las, as crianças, no
buliçoso balancé sem amarras, recordei-me do pensamento de Pasteur: “Diante de
uma Criança, sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é, mas cheio de respeito por aquilo que poderá
vir a ser mais tarde”. E face a esta incógnita, “O que poderá vir a ser mais
tarde”, sinto que “a ternura e o respeito” tomam outra dimensão: um tremendo bater
no peito, um inadiável pedido de perdão.
Pelos
abusos subreptícios que dela fazem as empresas publicitárias sem escrúpulos – Perdão.
E Protesto.
Pela
exploração infantil levada a cabo pelos proprietários de colégios e afins – Perdão. E
Protesto.
Pela
lavagem dos seus frágeis cérebros em catequeses estéreis, quando não
preconceituosas e perturbadoras, em escolas profissionais do obscurantismo
religioso e anti-cultural – Perdão. E Protesto.
Pelo
insolente arrebanhamento que docentes-funcionários (as) do regime fazem das crianças, levadas inconscientemente para massificadas
missas de fim-de-período escolar – Perdão. E Protesto.
Pela
miséria que obriga miúdas e miúdos a rastejar nas vias da mendicidade pública e
da desonra degradante para matar a fome aos irmãos mais novos. Perdão. E
Protesto.
Pela
monstruosidade de pais que, cúmplices de violência doméstica, usam as crianças
como arma de arremesso, dentro e fora de casa – Perdão. E Protesto.
Pelos
criminosos de guerra que afogam crianças na praia ou as condenam a vegetar na
lama dos charcos-abrigo de refugiados – Perdão. E Protesto.
Pelos
olhitos recém-nascidos que têm por berço as grades da prisão onde “mora” a ré progenitora. Perdão. E
Protesto.
Oh
cortejo silenciado, mas acusador e gritante por dentro, que perpassa diante dos
nossos olhos doentes e coniventes desta cruel “globalização da indiferença”
(Francisco Papa). Escusei-me a nomear muitas outras vítimas inocentes,
inquilinos forçados dos subterrâneos da vida, que é morte!
Ternura
e respeito! Para nós, os que descemos a encosta, alivia-nos este preito de
Perdão. E Protesto. Mas para os jovens e adultos, não vai bastar o pedido de
desculpa. Não! Esperem pelo mundo de amanhã, porque a Criança de hoje vai
cobrar a factura a quem lhe amputou o futuro.
Bate-me,
outra vez, na cave do subconsciente o ofegante sobressalto de Antero de Quental: “Não
há nada mais terrível que o olhar de uma Criança”!
Enquanto
me debruço no muro da esperança gravando o concerto matinal da pequenada no seu
“Dia”, leio a partitura da alvorada – um mundo novo, projectado por nós e realizado pelas mãos promissoras das Crianças
de agora.
03.Jun.16
Martins Júnior
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