Em
13 de Junho, olhar a cidade entre a colina do Castelo e a de Santa Catarina, ao
Camões, alguém nos prende desde o miradouro da História e interpela-nos de viva
voz: “Estamos Aqui”!
“Estamos”.
Os dois Fernandos: um, nascido em 1188 (1191/1195?) outro, em 1888. Este, Fernando Pessoa. Aquele,
Fernando de Bulhões, por parte da mãe, (descendente de Godofredo de Bulhões) ou
Fernando Martins, por parte do pai Martim.
Fico
de pés cravados ao vão dessa ponte, maior que a de Vasco da Gama, a ponte de
sete séculos que os separa e nos une no deslumbramento de quem pisa o solo que
eles pisaram e onde deixaram pegadas de oiro e luz até hoje e até sempre.
13
de Junho! Morre Fernando, o Primeiro, que tomou o nome de António de Lisboa ou
de Pádua. E nasce Fernando, o Segundo, “o
enigma em pessoa”, na designação que lhe atribuiu o poeta e crítico
brasileiro Frederico Barbosa.
Quem
não ficaria emocionado, em mística levitação, ao passar, como hoje estou passando, junto à Sé de Lisboa, na capela que lhe deu o
título, lugar onde nasceu Santo António e, mais adiante, no Largo do Chiado, em
cuja Igreja dos Mártires Joaquim de
Seabra Pessoa e D. Maria Magdalena
Pinheiro baptizaram aquele que viria a ser “o mais universal dos poetas
portugueses” e lhe puseram o nome original do santo taumaturgo – Fernando.
Dois
génios do pensamento, da palavra, das profundezas da condição humana! Mais que
todos os monumentos, mausoléus, esculturas e altares, eles irrompem das pesadas
lousas marmóreas e erguem-se, majestosos arcanjos tutelares da Pátria,
abraçando no Atlântico todos os mares e continentes. Só em pensar que foram
eles - e continuam a ser – os
inquebráveis satélites que hasteiam pelo mundo fora a bandeira de Portugal e
vencem nebulosas seculares, só em pensar nisso, deixa-nos extasiados de prazer
e poesia.
Qual
deles o maior?- interrogo. E… qual deles o maior! – exclamo.
Hei-de
dedicar algum dia o melhor esforço para descobrir em cada um deles traços de
identidade mútua, porque neles se personifica o velho aforismo: muito mais é o
que os une que aquilo que os separa.
Tal
como o próprio Mensageiro Fernando cantou de D. Filipa de Lencastre – “que
enigma havia no teu seio que só génios concebia”? – assim também, de Lisboa
perguntarei: Que segredo houve no teu terro, que princípio activo, denominador
comum, te fez produzir duas almas gémeas e gigantes, unidas pelo cordão
umbilical de sete séculos de História?!
Por
hoje, além da coincidência de dois espíritos irrequietos, viajantes de
continentes, apenas sintetizarei o percurso intelectual de Fernando de Bulhões
e de Fernando Pessoa. Na obra do primeiro, António de Lisboa, cultor e
investigador da natureza, desde os animais terrestres aos marinhos, vejo-o
reproduzido no “Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro. Pelo conhecimento da
antiguidade clássica, greco-romana, os seus filósofos e estetas, aproximo-o das
Odes de Ricardo Reis. E pela visão
emancipadora da nova sociedade medieval, em que António de Pádua combateu a
prepotência especuladora dos mais ricos, saindo vigorosamente em defesa do
campesinato, os proletários de então, descubro aí o mesmo verve interventivo de Álvaro de Campos.
Irmanados
pelo “13 de Junho” e aproximados na tumba (nenhum alcançou o meio-século de
idade) a ambos agradeço esta celebração interior, em contraponto ao bulício superficial
das Festas Populares, “com que o vulgo néscia se engana” ou, ao menos, deles se
esquece.
O
funeral do amigo Paquete de Oliveira protagonizou-me este reencontro com o
outrora e o amanhã, pelas mãos dos dois Fernandos imortais.
Lisboa, 13.Jun.16
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