Afeiçoei-me,
nos meados de Junho, ao brilho deste vocábulo, tão estranho e tão quotidiano ao
convívio dos mortais – o “milagre”. Hoje tentarei alcançar o terceiro degrau
desta escada que iniciei desde a semana passada.
Seduzidos
pelo título, alguns crentes pensarão logo no andor da Senhora de Fátima que cá
esteve em 2010 e reapareceu em 2015. Ou que voltará no centenário da aparição
de 1917. Mas não. Basta um pouco de discernimento prático para não deixarmos
eclipsar a “cabecinha pensadora” que
temos em cima dos ombros. Com efeito, se interpretarmos o conceito de “milagre”
como um bem apetecido, uma dádiva consoladora, o andor da Peregrina em 2010 só
nos trouxe, por trágica coincidência,
destruições e mortes barbaramente arrastadas no 20 de Fevereiro e cujas feridas
ainda continuam abertas na paisagem e nas pessoas.
É,
pois, a um outro fenómeno que me refiro. Este, tão insignificante, tão
silencioso na passagem, tão “deprimente” no aspecto que quase nem demos por ele. Passou
por cá, pisou o chão da ilha, desceu ruelas do passado. Paralítico, enfezado,
disforme do comum dos humanos, a cabeça insegura, caída sobre o ombro direito, à
procura de apoio. Um comovente exemplar dessa doença degenerativa incurável que
dá pelo nome de “esclerose lateral amiotrófica”.
E,
no entanto, ele é um portentoso “milagre” do voluntarismo, aliado dos heróis.
Melhor desvendar já o enigma, o “milagre”. Trata-se de Stephen Hawking, o génio da matemática, da física, da mecânica
quântica, da termodinâmica, fundador do Centro de Cosmologia Teórica da
Universidade de Cambridge, onde ocupou a cátedra de Isaac Newton ( a quem o
nosso Álvares de Nóbrega cognominou de “Ave Real”) famoso astrónomo do século
XVII. Impossível descrever a “Enciclopédia do Saber” que é Stephen Hawking,
desde as incursões cosmológicas, aos prémios internacionais, até à participação
na cinematografia, destacando-se a monumental obra God Created the Integers, a confirmação dos buracos negros interplanetários e da teoria do BigBang, que revolucionou as teorias creacionistas do Universo, na
esteira de Albert Einstein e das ondas gravitacionais que cada vez mais ganham
actualidade.
Fico-me
por aqui no breve desenho da sua genial personalidade. Ele passou por cá. Em
Santana. No Funchal fez a descida nos carreiros do Monte. Ele “viu-nos” e nós
nem demos por ele. Foi a segunda vez. Aconteceu em 9 de Junho pp., em notícia
de DN. E prometeu visitar a ilha por uma terceira vez. Fosse um jogador de bola
ou um cantor pimba e teria toda a comunicação social a seus pés…
Entretanto,
perguntareis vós: “Mas onde é que está o “milagre”?
O
“milagre” já comecei a descrevê-lo nos primeiros parágrafos. E completo agora: “Aos 21 anos foi-lhe diagnosticada a doença
cruel, fez uma traqueostomia e desde então usa um sintetizador de voz para
comunicar. Foi perdendo o movimento de braços e pernas, assim como o resto da
musculatura, incluindo a força para manter a cabeça erguida” ... Porém, um
privilégio ímpar coroou tamanha fatalidade: não foram atingidas as funções
cerebrais. E foi daqui, desse minúsculo globo, o cérebro, tão misterioso quanto todo o Universo, que
Stephen Hawking iniciou a gigantesca escalada dos Himalaias do Saber,
alcançando cumes que outros, organicamente perfeitos, nunca conseguiram. A
incomensurável potência da Vontade, impressa no cérebro humano! Que “milagre” maior
queremos nós?... Muitos milhares, milhões, biliões ter-se-iam deixado ficar
inertes, entravados, desesperadamente amortalhados numa enxerga ao abandono.
Ele, não! Soergueu-se das próprias cinzas. Ele é um laboratório vivo da ciência
em benefício de futuros pacientes. Ele empunhou, destemido, o “milagre” nos
ombros quebradiços!
Falta
um pouco mais. Stephen Hawking professa um ateísmo
científico, fundamentado nas suas descobertas. E afirma: “O universo é
governado pelas leis da ciência. As leis podem ter sido criadas por um Criador,
mas um Criador não intervém para quebrar essas leis… Há uma diferença
fundamental entre a religião, que se baseia na autoridade, e a ciência, que se baseia
na observação e na razão. A ciência vai ganhar porque ela funciona”. Palavras pesadas
para as nossas convicções e a ponderar seriamente... Apesar disso, porém , (surpresa das surpresas!)
em 9 de Janeiro de 1986, o Papa João Paulo II nomeou Stephen Hawking para Membro da Academia Pontifícia das Ciências.
Eis
o “Milagre” que o Criador colocou na mão do Homem!
Nós
somos também esse “milagre” em gestação. Cada um de nós. Basta querer e agir. Apetecer-me-ia terminar
com o poema que fez parte do nosso (do meu) ideário desde os tempos da juventude, o “If” - “Se” - escrito em 1895 por Rudyard Kipling, Nobel da Literatura, de
que recorto o seguinte excerto:
…………………..
“Se puderes obrigar o coração e os
músculos
A renovar um esforço, há muito
vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em
crepúsculos,
Só exista a Vontade a comandar “avante”…
……..Alegra-te, meu filho, Então
serás um Homem”!
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17.Jun.16
Martins Júnior!
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