Não passa de mera
curiosidade prática o saber se, por essa Europa fora, o futebol invade assim as
estações de TV, chegando ao ponto de
ver-se este pequeno rectângulo que é Portugal reduzido às quatro linhas do
rectângulo-estádio com onze homens, de verde e vermelho, a marcar a manhã, a tarde e a noite de um
país. Quando às portas da Europa se acercam nuvens sombrias que nos atingem
logo de entrada, é de uma tremenda insensibilidade ter de “aturar” nada menos
que quatro ou cinco “mesas residentes”, a botar enfadonhas faladuras sobre o mesmo vaivém de um couro redondo, o único
que pode orgulhar-se de dizer: “quanto mais me bates, mais gosto de ti”.
Comentadores de todos os uniformes – treinadores e ex-jogadores, advogados e
escribas, políticos e pavões,
diariamente são entre 20 e 25 - todos se esticam, mais o pescoço que as mãos, a
lobrigar o milímetro do paralelo imaginário do “fora-de-jogo” ou o porquê de o
ferro da baliza não se ter alargado mais uns centímetros. É caso para
perguntar: Será daí, do relvado e das
chuteiras, que virá a solução para Portugal, para a Europa? É aí que se esgota a bandeira do nosso
patriotismo de 24 sobre 24 horas?
A Europa está em pleno bloco operatório, à espera de ver-se
amputada de um dos seus braços mais saudáveis e seguros. É o nevrálgico Brexit que conhecerá, depois de amanhã o
desfecho histórico: “In or Out” – eis
a questão, diria hoje Shakespeare. Na mesma “marquesa” da cirur4gia está também Portugal, queira ou não queira.
Não vou desdobrar
diagnósticos possíveis para este confronto. Sabe-se
que no lado do Out, puxando para a
rua, estão os que resistem ao comando de tecnocratas não eleitos, sediados em Bruxelas. Estão também os
artífices da economia de base, entre os quais os pescadores, que não se
conformam com as quotas impostas pela EU. Do lado do In estão os experts da
macroeconomia, o FMI, o BCE, a Banca e seus satélites, o mercado, a moeda, a
abolição de fronteiras, a paz entre as nações. Ambos têm razão. Repetindo Gilbert
Cesbron, “É o drama deste mundo: todos têm razão”. O patriotismo exacerbado, que não olha a
meios, vai mais longe e lança mão da
arma branca que tem à mão, o populismo. E aponta a mola contra os imigrantes e
o terrorismo, em síntese, a campanha do medo.
Trata-se, segundo António
Navalon, de um autêntico “Tsunami Político”. Acusa Cameron de um mal-calculado “esticar
da corda”, perigoso porque inoportuno, por
parte de David Cameron, como seja o de transformar conflitos regionais em “guerras
campais” europeias e transatlânticas. Pensemos, entre outros, no diferendo entre os dois presidentes de
Londres, o ex, Boris Johnson, pelo Out, e o seu rival recém-chegado ao cadeirão
municipal, o muçulmano Sadiq Khan, pelo
In. Até há uma semana, o Out levantava bandeira nas sondagens,
somando todas as vantagens, múltiplas, como sublinhava um analista: “O Reino
Unido tem o melhor de dois mundos: integrou-se no Mercado Comum e livrou-se do
pior, o euro”.
Mas um acto macabro alterou
o desequilíbrio do voto de mais de 60 milhões de britânicos: o assassinato da
deputada Jo Cox, defensora dos imigrantes, por um demente fanático do Out. Relâmpago a toldar cérebros e dogmas: a avassaladora força de factos marginais! Até o já citado Boris Johnson mudou de argumentação e passou a
afirmar: “Agora eu próprio sou pela imigração, sou pelos imigrantes. Mas, mesmo
assim, apelo ao Brexit, pela saída do Reino Unido”.
Longas seriam as análises
que podemos consultar na vasta e contraditória literatura sobre o assunto. Como
vasta e contraditória é esta Europa em que cujo bojo – há quem lhe chame Titanic – entrámos. Mas a mais sensata
declaração que li sobre tão dramática circunstância foi a do presidente do Parlamento
Europeu, Martin Shulz: “Chegou a hora de repensar a Europa. Definitivamente”!
Sejam quais sejam as
teses e as engenhosas elucubrações que se possam tecer, há um vírus intrínseco
ao mafioso cérebro de Bruxelas e seus pares: o capitalismo financeiro. E a capacidade
mimética deste monstruoso polvo vai ao
requinte de apresentar-se como benemérito dos países pobres. Ajuda-os,
cativa-os, deita-lhes a mão, com aparentes facilidades e empréstimos. Mas com
uma condição: “Que nunca deixem de precisar de nós, magnatas da finança”… “Nunca
permitiremos a tua emancipação, muito menos os instrumentos para viveres por ti
próprio. Será sempre o pobre e o pedinte, a nossos pés” - é o que dizem e fazem a Portugal, à Grécia, à
Itália, à Espanha. Recorrendo a todos os truques e sofisticados estratagemas,
como os ratings e os aleatórios juros da dívida.
É para esta capciosa,
satânica engenharia , que devem olhar os países que integram a CE, muito
especialmente, o Sul europeu. Por isso, a palavra de ordem não será sair, mas ficar para podermos alterar as regras
deste jogo sujo, desta “economia que mata”. Submeter-se como escravo mudo é o mesmo que viver
numa morgue rotulada de hotel. Bem fazem os governos que batem o pé. Somos
pobres, mas com o direito de sermos autónomos e tratados com dignidade!
Mesmo desconhecendo o
resultado de depois de amanhã, valeu a pena esta sacudidela gigante do Reino
Unido que pôs o mundo em sobressalto. Efeito colateral foi a decisão histórica que passou a dar ao Banco Central Europeu o poder e obrigação de
comprar dívidas soberanas que asfixiam a economia dos países devedores.
Tenho para mim que nada
será igual na Europa do pós-referendo britânico de 23 de Junho.
21.Jun.16
Martins Júnior
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