terça-feira, 21 de junho de 2016

“DENTRO OU FORA DE JOGO” : eis o grande desafio na Europa de hoje.


Não passa de mera curiosidade prática o saber se, por essa Europa fora, o futebol invade assim as estações  de TV, chegando ao ponto de ver-se este pequeno rectângulo que é Portugal reduzido às quatro linhas do rectângulo-estádio com onze homens, de verde e vermelho,  a marcar a manhã, a tarde e a noite de um país. Quando às portas da Europa se acercam nuvens sombrias que nos atingem logo de entrada, é de uma tremenda insensibilidade ter de “aturar” nada menos que quatro ou cinco “mesas residentes”, a botar enfadonhas faladuras sobre  o mesmo vaivém de um couro redondo, o único que pode orgulhar-se de dizer: “quanto mais me bates, mais gosto de ti”. Comentadores de todos os uniformes – treinadores e ex-jogadores, advogados e escribas,  políticos e pavões, diariamente são entre 20 e 25 - todos se esticam, mais o pescoço que as mãos, a lobrigar o milímetro do paralelo imaginário do “fora-de-jogo” ou o porquê de o ferro da baliza não se ter alargado mais uns centímetros. É caso para perguntar:  Será daí, do relvado e das chuteiras, que virá a solução para Portugal, para a Europa?  É aí que se esgota a bandeira do nosso patriotismo de 24 sobre 24 horas?
A Europa está  em pleno bloco operatório, à espera de ver-se amputada de um dos seus braços mais saudáveis e seguros. É o nevrálgico Brexit que conhecerá, depois de amanhã o desfecho histórico: “In or Out” – eis a questão, diria hoje Shakespeare. Na mesma “marquesa” da cirur4gia  está também Portugal, queira ou não queira.
Não vou desdobrar diagnósticos possíveis para este confronto.   Sabe-se que no lado do Out, puxando para a rua, estão os que resistem ao comando de tecnocratas não eleitos,  sediados em Bruxelas. Estão também os artífices da economia de base, entre os quais os pescadores, que não se conformam com as quotas impostas pela EU. Do lado do In estão os experts da macroeconomia, o FMI, o BCE, a Banca e seus satélites, o mercado, a moeda, a abolição de fronteiras, a paz entre as nações. Ambos têm razão. Repetindo Gilbert Cesbron, “É o drama deste mundo: todos têm razão”.  O patriotismo exacerbado, que não olha a meios, vai mais longe e  lança mão da arma branca que tem à mão, o populismo. E aponta a mola contra os imigrantes e o terrorismo, em síntese, a campanha do medo.
Trata-se, segundo António Navalon, de um autêntico “Tsunami Político”. Acusa Cameron de um mal-calculado “esticar da corda”, perigoso porque inoportuno,  por parte de David Cameron, como seja o de transformar conflitos regionais em “guerras campais” europeias e transatlânticas. Pensemos, entre outros,  no diferendo entre os dois presidentes de Londres, o ex, Boris Johnson, pelo Out,  e o seu rival recém-chegado ao cadeirão municipal,   o muçulmano Sadiq Khan, pelo In. Até há uma semana, o Out levantava bandeira nas sondagens, somando todas as vantagens, múltiplas, como sublinhava um analista: “O Reino Unido tem o melhor de dois mundos: integrou-se no Mercado Comum e livrou-se do pior, o euro”.
Mas um acto macabro alterou o desequilíbrio do voto de mais de 60 milhões de britânicos: o assassinato da deputada Jo Cox, defensora dos imigrantes,  por um demente fanático  do Out.  Relâmpago a toldar cérebros e dogmas:  a avassaladora força de factos marginais!  Até o já citado  Boris Johnson mudou de argumentação e passou a afirmar: “Agora eu próprio sou pela imigração, sou pelos imigrantes. Mas, mesmo assim,  apelo ao Brexit, pela saída do Reino Unido”.
Longas seriam as análises que podemos consultar na vasta e contraditória literatura sobre o assunto. Como vasta e contraditória é esta Europa em que cujo bojo – há quem lhe chame Titanic – entrámos. Mas a mais sensata declaração que li sobre tão dramática circunstância foi a do presidente do Parlamento Europeu, Martin Shulz: “Chegou a hora de repensar a Europa. Definitivamente”!
Sejam quais sejam as teses e as engenhosas elucubrações que se possam tecer, há um vírus intrínseco ao mafioso cérebro de Bruxelas e seus pares:  o capitalismo financeiro. E a capacidade mimética deste monstruoso polvo  vai ao requinte de apresentar-se como benemérito dos países pobres. Ajuda-os, cativa-os, deita-lhes a mão, com aparentes facilidades e empréstimos. Mas com uma condição: “Que nunca deixem de precisar de nós, magnatas da finança”… “Nunca permitiremos a tua emancipação, muito menos os instrumentos para viveres por ti próprio. Será sempre o pobre e o pedinte, a nossos pés” -  é o que dizem e fazem a Portugal, à Grécia, à Itália, à Espanha. Recorrendo a todos os truques e sofisticados estratagemas, como os  ratings e os aleatórios juros da dívida.
É para esta capciosa, satânica engenharia , que devem olhar os países que integram a CE, muito especialmente, o Sul europeu. Por isso, a palavra de ordem não será sair,  mas ficar para podermos alterar as regras deste jogo sujo, desta “economia que mata”.  Submeter-se como escravo mudo é o mesmo que viver numa morgue rotulada de hotel. Bem fazem os governos que batem o pé. Somos pobres, mas com o direito de sermos autónomos e tratados com dignidade!
Mesmo desconhecendo o resultado de depois de amanhã, valeu a pena esta sacudidela gigante do Reino Unido que pôs o mundo em sobressalto. Efeito colateral foi  a decisão histórica que passou a dar ao  Banco Central Europeu o poder e obrigação de comprar dívidas soberanas que asfixiam a economia dos países devedores.
Tenho para mim que nada será igual na Europa do pós-referendo britânico de 23 de Junho.   

21.Jun.16

Martins Júnior

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