Não
sei que motivação maior levou a que mais de dois mil leitores seguissem, ontem e hoje, o meu último
SENSO&CONSENSO. Imagino que pelo tema nuclear – o “Mercado Quinhentista” –
e, secundariamente, pelo subtítulo “Milagre” da Escola pública.
Diga-se,
desde logo, que a fenomenologia do “milagre” está na moda, sobretudo a nível
religioso, com a proximidade do centenário de Fátima, procissões e velórios
nocturnos por cidades e aldeias. E também a nível psicológico, em que as actuais
circunstância económicas, sociais, fragilizantes ( como classificou o autor da “Sociedade
neurótica do nosso Tempo”) deixam parte do nosso colectivo mergulhado na impotência,
quando não na depressão. É aí que suspiramos pelo “milagre”.
Pois
é sobre o “Milagre” que hoje me debruço. Não o fenómeno aleatório, mítico, obsessivo
que por aí se vende nas feiras da superstição. Falo do outro, o milagre da ciência,
da investigação, da ousadia sublimada à conquista do lume dos deuses, como o Prometeu Agrilhoado de Ésquilo na
mitologia grega ou da árvore da sabedoria do Paraíso Terreal. É desse milagre,
dessas conquistas avassaladoras que o intelecto humano descobriu e continua,
inebriado, na espiral infinita do
conhecimento.
Entro
já e convido-vos a franquear os umbrais desse reino, desse Admirável Mundo Novo.
O
primeiro, mais quente, tão quente que nos arde a mente e o coração: “Em Portugal, nasce uma criança perfeita,
de dois quilos e trezentos e cinquenta gramas… nasce do ventre da sua mãe,
morta há mais de três meses” .
Quem
não estremece de espanto?... Quem não
grita de assombro e júbilo diante da Morte que desabrochou na Vida?... Quem não
procura o santo ou a santa milagreira
para deitar no seu altar a promessa, a vela, a oferta?... Não está longe a ara
do Grande Taumaturgo, está pertinho de nós: é a cama de um hospital, apaixonadamente
abraçada por uma equipa de médicos em redor de uma mulher em morte cerebral
declarada! E agora digam que o Homem não tem o poder de ressuscitar, neste
caso, de transformar em vida o pálido fruto da morte. Ou então, chamo aqui a
voz de há quinhentos anos, Luiz Vaz de Camões: “Vejam agora os sábios na Escritura, que segredos são estes
da Natura?” (Canto V, 22) E a equipa
médica já esclareceu: “Não foi um milagre, mas um avanço da ciência e da
capacidade de multidisciplinaridade e eficácia de uma equipa. Não são só os
médicos, mas os enfermeiros, os nutricionistas, os farmacêuticos e todos os
profissionais que contribuíram para este êxito”,
Estamos
rodeados de milagres vivos à nossa beira. O que falta é quem abra os olhos e a
mente para achá-los, identificá-los e pô-los ao serviço do Homem. Podia
enumerar uma enciclopédia de casos, colhidos no quotidiano. Por isso que a aposta no saber, a apetência suscitada desde
os bancos da escola, enfim, a cultura no
seu sentido holístico devem primar no
topo dos programas escolares e na educação do Povo, em vez de o anestesiar com
subterfúgios bentos, que mais não são que o culto da lei do menor esforço.
Trago
dois depoimentos insofismáveis. Um deles, do famoso neurocirurgião britânico Henry Marsh, protagonista do
documentário da BBC Your Life inthe Their
Hands, o qual não sendo religioso e não crendo em milagres, reconhece e
acusa a sociedade de hoje, com este veredicto: “Sabemos mais da lua do que do
nosso cérebro”. Na mesma linha, ontem,
Dia dos Oceanos, uma equipa de especialistas em oceanografia, estimulava a comunidade científica a debruçar-se sobre a magnitude, ainda desconhecida, da riqueza oceânica, nestes
termos: “Lamentavelmente, conhecemos mais da crosta da lua que dos fundos dos
nossos mares”.
Bem
poderia voltar até nós Alexis Carrel, Prémio Nobel da Medicina, em 1912, e reescrever o imortal testemunho do seu
livro L’Homme, Cet Inconnu -“O Homem,
esse Desconhecido” – para iluminar a imensa floresta do conhecimento, em cujo
subsolo se encontra o segredo dos grandes milagres que o Criador colocou ao
serviço da Humanidade – são os “tais
segredos da Natura” que os Sábios da Escritura preguiçosamente não vêem nem sabem, porque não
procuram decifrar. Bem a propósito foi a frase do Francisco Papa que reconheceu as muitas pessoas para quem “a natureza é uma
igreja”.
Esta
mensagem fica incompleta sem o seu reverso. Deixá-lo-ei para outra altura.
09.Jun.16
Martins Júnior
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