terça-feira, 19 de julho de 2016

ADAGIO CANTABILE : De mão em mão e de boca em boca!


Não sou de chorar mágoas nem cantar loas ao viajante na Barca de Caronte. Basta aceitar da sua mão – e nunca deixar morrer – o facho olímpico com que iluminou o mundo.
Naquele navio, onde todos embarcamos, não vi um corpo morto. Vi a partitura latente de uma vida inteira. Vi  todos os andamentos existenciais que ritmaram oitenta e sete anos, feitos de pautas vibrantes e pausas cantantes,  que só ele as sabia decifrar. Todos os andamentos… também as áreas da Paixão segundo São João, de Bach. Também as sonatas dolentes de Chopin  e o allegro pizzicato de Mozart. Também os coros retumbantes  de Wagner e Verdi. Mas, de todo o oceano rítmico em que vivia mergulhado, o que permanecia sempre inalterável no rosto sereno era o Adagio cantabile que nos deixou por herança, como se todas as agruras e tormentos ficassem submersas nas funduras abissais.
Um dia disse-me: “Somos construtores de capelas imperfeitas”. E esclareceu-me: “Capelas Perfeitas como as do Mosteiro da Batalha… mas Capelas Imperfeitas porque inacabadas. Outros continuarão a construí-las”.
É esse o testamento e a chama que nos unem. Quisera eu ter toda a vida e toda  a eternidade para  ajudar, como ele,  o mundo em construção, sabendo bem  que de  todos os esforços ficará sempre a obra inacabada. Refazer, com ele, a canção sobre a letra que escrevi, há mais de cinco décadas:

Grito de paz é o nosso grito
         Marcha de sol é o nosso passo
         Somos a voz do Infinito
Da cruz, do pão e do abraço

Para a Augusta, sua grande musa inspiradora e companheira de ouro, fica o outro tom da Cidade Nova que o Rufino adaptou a um “negro-espiritual”, muito antes dos cravos de Abril:

Vem comigo ver as ruas
De uma nova cidade
O Povo já tem pão
O pão da liberdade
Vem ver, oh vem…
As mãos estão vermelhas
De sangue e de alegria
O Povo quis lutar
Nasceu um novo Tempo Novo
Vem ver o Dia

Irmão, Irmão
Traz a tua fome
Traz as mãos e constrói a Rua
A cidade, a Cidade Nova
Já é  tua.
19 de Julho. Faltam seis meses para o 19 de Janeiro – o dia de mais um ano teu. Estaremos cá para trazer-te à nossa mesa e, aí sim, cantarmos as tuas Sinfonias Incompletas… as nossas Capelas Imperfeitas. Que bom saber que as tuas mãos continuam nos nossos braços e que os nossos dedos germinarão rebentos de futuro.  

 19.Jul.16
Martins Júnior

    

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