Para
ajudar a entender melhor estas linhas, declaro que o título tem todo o
significado daquela saudação do coro angélico na noite de Natal, ou seja: “Paz
entre os homens de boa vontade”.
Por muito importantes e decisivos que
sejam os acontecimentos ocorridos hoje, perto ou longe de nós, não poderei dar mais um
passo sem demorar-me sobre o octogenário pastor de Saint-Étienne-du-Rouvray, na
Normandia, barbaramente assassinado no altar, às oito e meia da manhã. Nunca na
Europa tal sucedera. Aconteceu, anos antes, na Nicarágua com o bispo Óscar
Romero, morto em plena celebração por vil maquinação dos capitalistas senhores
das terras de El Salvador, que não consentiram ao bispo a defesa dos camponeses
escravos, reduzidos à condição de servos da gleba.
Mas é outro o caso da Normandia, outra
a motivação do assassino: o ódio religioso aos cristãos. Numa palavra, a guerra
das religiões, pese embora a evidência que a religião não é mais que a capa sacrílega
que esconde inconfessáveis interesses de dominação político-financeira.
O autor do crime interpretou cegamente
o Corão - a “Guerra Santa” – sibilinamente expressa no versículo
5-51: “Ó vós que credes! Não tomeis a judeus ou cristãos por confidentes, pois
uns são amigos dos outros. Aquele entre vós que os tome por confidentes será um
deles”. Eis a maldição em que incorrem os que usem de tolerância religiosa. A
sanção penal é a própria destruição, sem apelo nem agravo. Só assim serão desagravados
Alá e o seu Profeta. E o Hadith acrescenta: “Fazei guerra com
sangue e extermínio a todos os que não crêem em Alá”. É o dogma universal e
fulminante como um raio caído da morada divina, o qual, “nos finais dos anos 20,
o fundador egípcio da Irmandade Islâmica, Hassan al Banna, transformou em ódio
contra o Ocidente, proclamando que até a mais inócua influência ocidental
constitui um acto de violência contra o Islão”. (YoroslavTrofimov, in A Fé em Guerra).
Deus no epicentro da barbaridade
humana. O Deus da Guerra!
Não esqueçamos, porém, que Maomé
inspirou-se no Livro, a Bíblia, para
gizar o seu Alcorão. É lá que Deus se apresenta como o “Senhor Deus dos
Exércitos”. É lá, Livro dos Salmos, que
se lê a oração a Deus-Iahveh, contra a Babilónia: “Hás-de ser devastada. Feliz
aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós. Feliz aquele que pegar nos teus filhinhos e der com eles nas
pedras”. (136-137). Arrepiante! Insuportável!
Sempre
o Deus da Guerra!
Até mesmo o protótipo génio criador da civilização
greco-romana não hesitou em criar os deuses, afeiçoando-os aos instintos
humanos, à sede de sangue e vingança, erguendo um majestoso altar a Marte, o
Deus da Guerra!
E assim se engendraram mitos, embustes,
blasfémias, com a invocação de Deus para justificar as barbaridades dos homens.
No último escrito, referi-me a D. Afonso Henriques, proclamado rei, após a
batalha de Ourique, em 23 de Julho de 1140, cujo sucesso atribuiu a uma visão
miraculosa de Jesus crucificado que terá dito ao príncipe: “Com este sinal
vencerás”. Rematado aleive e não menos
insolente atrevimento do “verme” humano
contra a Divindade. Já no século IV, 13 de Junho de 313, o Imperador
Constantino dera a paz aos cristãos de Roma, alegando ter sido a visão da Cruz
no firmamento, com a mesma inscrição - In hoc
signo vinces – que, um ano antes, lhe dera a vitória na batalha de Ponte Mílvia.
E
o Deus da Guerra continuou a luzir no ferro das baionetas das Ordens Religiosas
Militares (os exércitos de Deus) nas sangrentas Cruzadas medievais, nas
fogueiras da Inquisição, enfim, nos mais injustos combates fratricidas, como a guerra colonial em África,
onde a forçada presença de capelães militares se misturava com as atrocidades
de comandos insaciáveis de sangue nativo. Não se entende esse resquício espúrio
que dá pelo nome de “bispo castrense”, um bispo serventuário exclusivo das
Forças Armadas. Tenho para mim, perdoem-me se me atrevo, mas tenho a convicção
que o Papa Francisco está em chamas para ver-se livre da imperial “guarda suíça”
do Vaticano, anacrónica e contraditória…
“Enquanto não houver paz entre as
religiões nunca haverá paz entre as nações” - continua vivo e imperativo o pensamento de
Hans Kung. Mas para aí chegar-se, há um
percurso doloroso e necessário a fazer, o de higienizar a mentalidade dos
crentes, ensinando-lhes que é crime de lesa-divindade chamar Deus para os jogos
sujos da guerrilha e do ódio entre povos, nações e religiões. Quantos séculos e milénios
serão precisos para alcançar a verdadeira pedagogia da espiritualidade humana?!...
Basta constatar que a nossa hierarquia cristã e católica levou séculos para
retirar da liturgia a malfadada expressão. “Senhor Deus dos Exércitos”.
A Guerra ao “Deus da Guerra” – do velho
Jeovah, de Alá, de Marte, dos Templários, das Cruzadas, da Inquisição, do vicariato castrense - só será ganha com a catarse interior e com a
purificação das instituições, para cujo êxito será necessário o nosso empenho
mobilizador, com vista ao sonho dessa mágica noite de Natal: “Homens de boa
vontade, a Paz é obra vossa”.
No entanto, o corpo frágil do Padre
Jacques Hamel jaz na campa fria. Foi
assassinado pela loucura do jihadista, crente que prestava um serviço a Alá.
Foi na Normandia. Em Saint-Etienne-du-Rouvray. Rouen. Ao sentir o nome de
Rouen, estremeço, Porque há 585 anos (30.Maio.1431) uma jovem de 19 anos foi
queimada viva, na praça pública, em Rouen, por sentença
dos bispos da Inquisição, afectos ao domínio inglês, traidores à pátria.
Padre Jacques, nos teus 86 anos, não estás só. A teu lado, tens a juventude e
as cinzas quentes, libertadoras, de
Jeanne d’Arc, mais infeliz do que tu,
pois foi assassinada pelos “jihadistas” da Fé de Cristo…
Quando chegará o dia de ver a Luz ?!
27.Jul.16
Martins
Júnior
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