Por
azar ou sorte ou ironia do destino, o dia 25 do mês tem deixado marcas
indeléveis no calendário de Portugal. Num passado recente, conhecemos o 25 de
Abril e o 25 de Novembro. Estranhamente, porém, o mesmo sucedeu noutro 25 – o de
1140.
Faz
hoje 876 anos!
O
filho do francês Conde D. Henrique de Borgonha firmou, pela primeira
vez, o seu nome como “Rei de Portugal”. O Tratado de Zamora, cujo conteúdo muitos
historiadores põem em causa, mais não foi que a confirmação em 1143, do
arrojado feito de 1140.
Passados
que foram quase nove séculos, que cheiro terão as cinzas encarceradas no
mausoléu de Santa Cruz de Coimbra? E que baladas cantará a poeira deitada
daquele que brandiu a espada de fogo em brasa contra todos quantos se lhe
opunham, inclusive contra a própria mãe?...
Terá
ele orgulho da paternidade que deitou ao mundo os passageiros desta
jangada-rectângulo mal presa ao ancoradouro europeu?... Moçárabes e lusos, seios de castelhanas
parindo em solo português, migrantes e refugiados, príncipes e párias, santos e
assassinos, senhores e escravos… Poderá o Grande Conquistador proclamar com Fernando Pessoa: “Valeu a pena”?
Não teria sido melhor continuar unido à estirpe de sua mãe Teresa, a Leão e Castela?
Incógnitas
que outros antes de mim já formularam, alcançando uns o cume do sucesso
histórico em tantos vultos gloriosos, derivando outros para o pessimismo
deprimente em que nos fizeram ou fazem-nos afogar timoneiros sem rumo, líderes sem amor
pátrio, vendidos ao capital sem ética dos insaciáveis polvos bancários e aos interesses de potências estranhas!
Não
só o 1º de Dezembro, não só o 5 de Outubro, não só o 25 de Abril e não só as
pomposas encenações do “Estado da Nação” deveriam fazer-nos cair no real e
perfurarmos até às profundezas do Inconsciente Nacional o chão onde nascemos e
vivemos. Também o “25 de Julho”, o de mais longe, o nosso cordão de nascença,
puxa-nos para essa retrospectiva responsável e responsabilizante do lugar que
ocupamos.
No
entanto, o primeiro Rei de Portugal não
ficaria em nada surpreendido com o que visse no rasto do seu país. Ele, mais
que nenhum outro português, nasceu sob o signo de lutas encarniçadas, traições,
guerras matricidas, enfim, um antro de maldades e contradições que foi o berço
onde se fez rei. Chamo o insuspeito e austero Alexandre Herculano que disto nos informa na
sua monumental História de Portugal, sobretudo na análise do seu reinado e em
cujas palavras vagueia o perverso enunciado de Machiavel, “o fim justifica os
meios”:
“O
pensamento de firmar a independência portuguesa subjugava no espírito dele
(Afonso Henriques) outras quaisquer considerações, ainda talvez, com ofensa de algumas
que deveriam ser respeitadas. É realmente àquela ideia que vão ligar-se muitos
dos seus actos, os quais, avaliados separadamente, dariam direito a acusá-lo de
pouca fé e ambição desmedida. Além da rebelião com sua mãe, a quebra do Tratado
feito com o Imperador em 1137, o engano imaginado para colher desprevenida a
guarnição de Santarém, as crueldades praticadas com os sarracenos, a maneira, enfim,
como se houve com o rei de Leão seu
genro, cujo nobre e generoso carácter não pode deixar de fazer sombra ao de
Afonso I, foram acções que, avaliadas em si unicamente, serão sempre dignas de
repreensão”.
Eis
a factura degradante que muitas vítimas tiveram de pagar para garantir o título
de rei ao Pai da Portugalidade. Será esta a sina que deixou em herança à sua
prole para todo o sempre? De forma alguma. A nós, compete-nos “cumprir Portugal”.
No nosso tempo e na nossa circunstância.
Permitam-me
terminar esta breve mas útil incursão
sobre os nossos primórdios, recorrendo ao belo texto de Herculano:
“O
afecto que lhe dedicou o povo chegou a atribuir a D. Afonso Henriques a auréola
dos santos e a pretender que Roma desse ao fero conquistador a coroa que
pertence à resignação do mártir, o que não aconteceu. Outra religião, porém,
também venerada, a da pátria, nos ensina
que, ao passarmos pelo pálido e carcomido portal da igreja de Santa Cruz, vamos
saudar as cinzas daquele homem, sem o qual não existiria hoje a nação portuguesa e,
porventura, nem sequer o nome de Portugal”.
25.Jul.16
Martins Júnior
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