“Lá vamos cantando e rindo”…
Era
assim que nos tempos de Salazar se impunha
o hino patriótico aos jovens,
forçosamente agrupados na falange denominada “Mocidade Portuguesa”. Os irreverentes estudantes
de Coimbra nos cortejos de fim-de-curso, as
famosas latadas, ironizavam com
a variante Lá vamos, pagando e rindo…
Cantando
e pagando cá vamos nós também, embarcados nos porões dos arraiais que pululam
agora por toda a ilha. Finados os “Santos Populares”, passamos aos Senhores e às Senhoras, oragos das
mais 100 paróquias e capelas madeirenses. Tenho para mim que a invocação ou o
título dos eventos é o que menos interessa para a comunicação social e, daí,
para o grosso da população. A avaliar
pelas notícias e reclamos, tanto faz chamar-se Festa de São João, António ou Pedro como
apelidá-las de festas da cebola, do caramujo ou do mexilhão. O que é preciso é
entrar na excursão, cantando, pagando e rindo.
Foi
o que me chaparam nos olhos as imagens e os comentários televisivos de ontem acerca do São Pedro na Ribeira Brava.
Os feirantes, as carradas de carne, os barris de poncha e, como cereja no bolo,
a caixa: o lucro, o negócio - objectivo legítimo de quem arrisca, mas
francamente redutor para quem faz reportagem. Então, a delícia e o “faro” do
jornalista atiram o microfone para os laboriosos trabalhadores das barracas,
com as ridículas e enfastiadas perguntas, do género “como é que vai o negócio,
têm vendido muito, as pessoas aparecem mais que no ano passado?”… Até na
religião: “Quantas girândolas de foguetes, há muitas velas de promessa, muitas cabeças e
pernas de cera nas procissões?”… Tudo negócio! Do tamanho dele depende o brilho
ou o escuro da reportagem. Factores culturais, vertentes artísticas, algo mais
que os comes-bebes-e-pagas são os ausentes
e esquecidos dos comunicadores públicos.
Ninguém
pretenderá fazer das festas populares tertúlias académicas. Mas se, porventura,
ocorrem determinados eventos em que o povo e a cultura assumem-se como
protagonistas deveria dar-se-lhes o devido apreço.
Refiro-me
àquilo que vi nestes dias em Machico. Houve o cortejo de São Pedro, a que já aludi
noutro texto, com participações de
qualidade, genuinamente endémicas. Associadas ao São Pedro seguiram-se outras
actividades, integradas no Dia da Freguesia, sobressaindo o programa denominado
Arte
e Pesca na enseada leste da baía, desde provas náuticas, “24 horas a
voleibolar”, padel, construções na
areia, passeios de veleiro e catamarã, atelier de artes plásticas, pintores ao
vivo. Um teclado multiforme, de diversas tonalidades, extenso e sugestivo é
como pode classificar-se o que se passou no palco. Música para todos os gostos:
“Vozes do Concelho”, Grupo Folclórico,
Banda Municipal, grupo de fados e do “Prestige Dance”, António Câmara e a sua
Guitarra, “Cantares da Ribeira” com o desfile coreográfico intergeracional da
Ribeira Seca e outros artistas locais, a que se juntaram bandas convidadas
(“Aoakaso”, “Punk D’Amour” “Fitness Team”, “Feed back”, “Dull N’Nouk White”,
“Major Cafeina”) e os DJ’s no encerramento de cada um dos cinco dias que durou
a 2ª edição da Arte e Pesca, uma
homenagem da Junta de Freguesia de Machico aos pescadores da localidade.na zona
do Caus do Desembarcadouro, o seu meio ecológico.
Todos
quantos ali passaram, de diversos escalões etários e culturais, todos tiveram
oportunidade de abastecer-se nas barracas em redor, mas ao mesmo tempo alimentaram
a mente e a sensibilidade com uma ementa diferente. No regresso a casa, subia a
vida em tom maior, por causa do ambiente pacífico, saudável e construtivo que
encontraram na baia. Porque a Arte e Pesca não serve para alienar e esvaziar o ser,
mas para libertá-lo e dar-lhe força de interpretar e vencer as barreiras do
quotidiano.
Há mais festa para além
do cantar, pagar e rir!
03.Jul.16
Martins Júnior
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