Os
quatro violinos adormeceram para sempre no berço da partitura. Mas a melodia
prolongou-se por quatro dias e quatro noites, até que os dedos do quarteto
doaram às chamas o que restava do seu talento imorredoiro.
Eles
aí estão, companheiros dos últimos acordes, quando embarcaram nesse cruzeiro de
sábado, 2 de Julho de 2016. Quatro dias e quatro noites esperaram na amurada do
cais até à hora em que definitivamente tudo se converteu em cinzas aladas a
colorir o planeta.
Caso
normal, comum a todos os mortais. E caso estranho o terem “combinado” o mesmo
dia da partida! Aqui ficou selada aquela sina que marca a história: Todos
Diferentes e Todos Iguais.
Diferentes no
habitat que lhes coube viver:
Elie Wiesel, romeno judeu, saído das negras
portas dos fornos crematórios de Auschwitz depois de ver o pai espancado até à
morte, a mãe e a irmã atirados à câmara da gás, foi marcado aos 15 anos pelas
tropas nazis com o nº A-7713, que trouxe toda a vida no braço. Deportado
juntamente com a comunidade judaica em 1945, estudou em França e, mais tarde,
ensinou nas universidades americanas de New Iork, Yale e Columbia, tendo
publicado mais de 40 livros, o maior dos quais intitulado A Noite, relatando os horrores do Holocausto, Foi agraciado com o
Prémio Nobel da Paz, em 1986.
O nosso Camilo de Oliveira, 91 anos, totalmente diferente, encheu o país de
gargalhadas sadias, anti-traumas, libertadoras, nas 47 peças de teatro de revista que marcaram os
nossos palcos e que ainda hoje são recordados nas irrepetíveis interpretações
do Padre Pimentinha (na foto), Lisboa é Coisa Boa (1951), Camilo na Prisão, Camilo Presidente,
entre outras. Assente como uma luva,
outro dia, senão o sábado, poderia ter “escolhido”
o criador do famoso programa Sába Dá Badu,
com Ivone Silva no dueto Agostinho e Agostinha, que tanta saúde física e mental transmitiram
aos portugueses.
Michael Cimino, realizador cinematográfico,
77 anos, vencedor de cinco óscares pela Academia de Hollywood, em 1978, com o
filme Viagem ao fundo do Inferno ou O
Caçador, contra a guerra no Vietnam.
Desaires supervenientes, sobretudo após a realização do (1980) Heaven’s
Gate (A Porta do Paraíso) soçobrou às
mãos de uma crítica implacável.
Finalmente, Michel Rocard, 85 anos, Primeiro-Ministro
francês no mandato 1988-1991, percorreu os mais diversos atalhos da política,
conheceu vitórias e derrotas, terminando a carreira como deputado europeu,
entre 1994-2009.
Embora diferentes e distantes uns dos
outros, uma idêntica linha de rumo os
conduziu: o espírito combativo, porfiado, diante dos obstáculos. Defensores da
verdade íntegra, ( exigência moral na
acção política, ideal de Michel
Rocard) militantes dos direitos humanos,
(Nenhum homem é ilegal, proclamou
Elie Wiesel) nimbados de uma ambição perfeccionista,
(Camilo de Oliveira) inconformados com o politicamente correcto ( Enfant terrible du Nouvel Hollywood, escreve
“Le Monde” sobre Cinimo, denunciador do
selvagem capitalismo americano) ---
todos estes homens marcaram a História.
Trago-os hoje, na mesma urna – o mesmo
trono - da nossa homenagem, cumprindo o que sobre o Holocausto afirmou Elie Wiesel na aceitação do Nobel da Paz: “Esquecer os
mortos é permitir que sejam mortos segunda vez” E acrescenta: “Eu tentei manter
a memória viva, tentei opor-me àqueles que preferem esquecer, porque se
esquecermos somos culpados, somos cúmplices”.
Trago-os também, porque muitos outros,
homens e mulheres, gente anónima à nossa volta, vivem e sobrevivem da chama que
animou os quatro combatentes, os “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, irmanados
em vida e companheiros na hora da partida.
Trago-os,
finalmente, porque o que mais falta é continuar a ouvir-se, com o nosso esforço
e determinação, “essa linda, longa
melodia imensa”, diria Sebastião da Gama. Até ao dia da Grande Viagem!
05.Jul.16
Martins
Júnior
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