É
o verão em pleno: a estação do “ver”, viajar, olhar para fora - tudo composto num único vocábulo, o “voyeurismo”
- que, descontando o transporte abusivo do galicismo para o nosso idioma, significará, no seu sentido mais amplo, o abandono
do consciente pessoal para dispersar-se e perder-se no colorido vácuo da
paisagem exterior.
Mas
nem sempre é assim. No festival do batuque envolvente de cruzeiros, paradas
musicais, corridas e arraiais, há sempre alguém que nos convida para a nossa
própria cabana, abre-nos a porta e faz-nos olhar uma outra paisagem – o nosso mundo
interior – que a azáfama impertinente do ano inteiro não nos deixa ver. Há
sempre quem nos ensine a viajar para dentro de nós. E é o que mais falta faz ao viajante-vigilante, que habita
nas paredes que somos.
Pois
bem: foi exactamente este convite que me foi dado a mim e a todos quantos
estiveram na exposição que a escola das artes, dirigida pela singular artista
Alexandra Carvalho, apresentou no salão de actividade culturais da Junta de Freguesia
de Machico neste fim-de-semana e fim-de- ano didáctico. O tema não podia ser
mais adequado: o retrato. E dentro dele, o mais apetecido: o auto-retrato. Ao
espectador desprevenido deverá ter causado – foi o meu caso - um sentimento de
intriga e espanto pois, além de cinco ou seis imagens figurativas, os quadros
apresentados saltavam da tela como línguas de fogo numa embriaguez de cor e
vida. Outras, mais profundas, primavam pela penumbra de um verde tropical sob
um sol recatado. O friso de imagens deste teor mais emotivo e concentracionário
apresentava-se sob a nomenclatura comum de “auto-retrato”.
Foram
estas, as “paisagens interiores”, que me
agarraram pelo tronco e me mantiveram estaticamente activo (passe a antítese) na
busca incessante do rosto, da alma - do psiquismo enigmático que se desentranhasse
daqueles traços aparentemente desconexos, daqueles retorcidos braços em flor,
daquele complexo jogo de caras e cores, a um tempo harmoniosas e contraditórias.
No entanto, uma mensagem tão subtil como eloquente enchia-me os olhos e o
espírito. A tal ponto que tive de recorrer aos próprios autores para decifrar a
leitura mais fidedigna da mensagem. Que beleza e que sabor indizível disfrutar da
fogosidade e do sonho daqueles jovens artistas retratando na tela as coordenadas invisíveis
do planisfério que lhes vai na alma!
Gostaria
de reproduzir aqui todos os quadros, o que me é impossível. E com muita pena
minha, pois merecem ser partilhados, interpretados e assimilados por quem tenha
olhos de ver. Continuam em exposição até 19 de Agosto. “Vai valer a pena”!
Achei
importante que lá estivessem os responsáveis autárquicos da freguesia e do
concelho, fornecedores das instalações onde decorreu o ano didáctico, bem como
os apoios logísticos dispensados. É o seu dever. E é a sua honra. À professora
Alexandra Carvalho e seus pupilos, as congratulações e o reconhecimento pelo
brinde de férias estivais que nos ofereceram.
Olhar
para dentro, viajar dentro de nós, enfim - na esteira pedagógica de Freud e Carl Jung– que
gostoso estar neste laboratório de psicanálise plasmada em arte!
31.Jul-1Ago.16
Martins Júnior
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