É
do senso comum que a navegação à vista,
conquanto nos aproxime dos contornos singulares da paisagem, retira-nos o
diâmetro pluri-dimensional da realidade. É mais cómodo determo-nos no visual
que nos prende e agarra do que subir mais alto e mais além. No entanto,
“navegar é preciso” para abarcar a
totalidade do horizonte.
Nos
últimos fragmentos de “Senso e Consenso”, tenho-me “distraído” -
ou concentrado! - em pormenores de
circunstância que, embora prementes alguns deles (como os incêndios, por
exemplo,) deixam-nos contudo parados,
encostados à falésia, em detrimento do que
perdura no tempo real, imperceptível por vezes, enfim, escapa-se-nos o
essencial.
Passemos
ao mar largo. Desde logo, vejo campos e casas e, sobretudo, vejo escolas a
arder. Não pelas mãos daninhas de loucos varridos, mas pelos “donos” delas. Com a fusão e deslocação de alunos para
o sorvedouro das cidades sobrelotadas, que mais falta dizer senão que as
escolas rurais ou dos meios suburbanos estão a arder numa combustão sub-reptícia
e lenta. É pública e notória a azáfama
irrespirável dos “donos disto tudo” – presidentes, secretários, edis – rasgando
os televisores de cada casa, na pesquisa incessante de novos motivos de acção
contra o fogo e, claro, da respectiva publicitação. Com uma única excepção: o Senhor
da Educação. Por que caminhos e tabuadas
anda o homem a partir a cabeça?... Pelas provas factuais, já o adivinhamos: de
tocha na mão e saco avaro a tiracolo, anda a lobrigar pelo buraco da fechadura tal ou qual escola, para esvaziá-la, o mesmo que dizer, queimá-la!
Incrível. E aos utentes, as crianças indefesas, dá-lhes corda manhosa e atira-as lá para o
sorvedoiro dos rebanhos acéfalos, cortando-lhes em tão tenra e delicada idade o
cordão genético que as sustenta à
terra-mãe.
Por
isso, não aparece em público, como que em trabalho clandestino (assim agem os
incendiários), não vá o povo dar por ele. Mas há quem esteja atento e vigilante, porque vê aquilo que o “ministro” de cá não vê
ou disfarça. Não vê que a escola ardida vai arder toda a paisagem social e
humana em seu redor. Não vê a equação que faz parte dos manuais mais
elementares, de muito longe no tempo: “abre-se
uma escola, fecha-se uma cadeia”. E o seu contrário: “fecha-se uma escola e já aí
vem a cadeia pelo caminho” . Entenda,
senhor, ou aprenda que a escola não é um condomínio fechado sobre si mesmo. A
não ser, para um mercenário indigno do lugar que ocupa. A moderna orientação das
escolas, desde as primárias às politécnicas e universitárias, tem como palavra
de ordem abrir-se à sociedade. Com maior acuidade nos meios rurais e suburbanos.
A
regra e o esquadro com que os responsáveis regionais da Educação navegam à
costa dentro dos gabinetes, não são mais que fogo violento que varre os campos
dos seus melhores activos, da sua riqueza futura, as crianças de hoje em idade
escolar. Saiam à rua. Pesem as consequências nefastas da desertificação que
irresponsavelmente estão a “produzir”. Gente
sem sensibilidade e sem alma de educadores,
a quem os fantasmas do Orçamento, que os servem à mesa, lhes sugaram todo o
sentido da história e da sociologia!
Mais
tarde –“Aqui d’Él Rei, o que fizemos” – prometem incentivos financeiros,
benesses e negaças mil a quem se preste
a trabalhar nos meios rurais. Hipócritas!
Invistam hoje – Hoje e não Amanhã! – no Ensino, na Educação, nas Escolas, nadas
e criadas no meio ecológico das populações. Traidores que vendem por “trinta
dinheiros” os dedos e os anéis, a dignidade, de quem os alimenta, no duro trabalho da terra.
No entanto, despejam centenas, milhares,
senão milhões por colégios e instituições, autênticas agências fabricantes de boletins de voto com
que tão facilmente se deixam subornar.
Quem,
como eu, vive nas raias da ruralidade e
da suburbanidade, não pode resignar-se com tamanha extorsão feita a-céu-aberto
e com a argumentação mais rasteira e danosa. Numa altura em que tudo se prepara para o êxodo forçado em Setembro. E porque não me conformo com esta
navegação à vista, insisto junto dos responsáveis para que vejam os efeitos
corrosivos das suas incendiárias (criminosas, direi) decisões, tão destrutivas
a-prazo como as chamas que devastaram os bens físicos de centenas de
madeirenses.
Poupem,
ao menos, as Escolas!
19.Ago.16
Martins Júnior
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