Diante
de um povo caído ao chão, vestes coladas
ao sangue e aos escombros – quem poderá escrever quieto na mesa da
indiferença?...
Por
mais altos e sublimados que fossem os conteúdos, tudo ficaria reduzido à cinza
e ao pó dos ossos que habitaram esses
muros derrubados. Impossível passar adiante. Porquê a esse povo miúdo e
contra essa indefesa aldeia medieval se
abateu o desatino das funduras?
Poderemos
gritar, apostrofar os deuses e os demónios, mas ficaremos sempre amarrados ao
determinismo dos ciclos giratórios que tanto nos libertam como nos comprimem e
matam. Mais acabrunhante, porém, é a
inelutável contingência do Homem – Rei da
Criação – algemado agora ao ferrete da sua impotência estrutural perante o fatídico acontecimento!
Correm
desordenadamente, dentro e fora de nós, os mais desconformes sentimentos: desespero e expectativa, angústia e esperança,
derrota e solidariedade sem limites.
Permitam-me
um desabafo face ao malogro de vidas inocentes, sadicamente ceifadas em menos
de trinta segundos, agarradas aos travesseiros da morte. Ei-lo:
Eu
queria trazer ali os loucos dominadores
do mundo, os Bush’s, os americanos de Hiroshima e Nagazaki, os Putin´s, os Al
Assad’s, os Stlalin’s, os Hitler´s, enfim, os jhiadistas assassinos, os comandos
suicidas. Talvez que a hipocrisia lhes desse para verter uma lágrima de falsa compunção. Ao
mesmo tempo, mostrar-lhes-ia a paisagem macabra dos campos de extermínio de
Auschwitz, , de Bagdad, de Alepo, as casas e os monumentos barbaramente destruídos,
gente afogada em sangue, refugiados em fuga desesperada. E aí, sim, com toda
força saída do clamor dos milhões de vítimas inocentes, eu próprio,
energicamente, interpelá-los-ia: "Quem fez isto? Quem reduziu a cemitérios os
campos, os jardins suspensos, os oceanos, as pessoas e as civilizações de ontem
e de hoje?... Quem?!"
Ao
silêncio acusador que os aperta, só me restava convocar o interminável cortejo
de humilhados e ofendidos, deste e do outro mundo, e pedir contas no tribunal
da consciência universal sobre os abalos da terra e do mar, das crianças
agonizando sob as ruinas, os crimes hediondos
que eles produziram, espojados nas ricas poltronas dos gabinetes. “Vede o que fizestes! Muito pior
que os terramotos de Amatrice, Aquila, Úmbria ou Múrcia. Como reparar tamanhos atentados contra a
Humanidade? Quem pagará a factura da destruição?”...
Onde
pretendo chegar: à convicção de que perante as forças imponderáveis da
natureza, ficamos irremediavelmente, na defensiva, acautelando-nos com as
normas anti-sísmicas que os peritos sugerem. Não temos capacidade para mergulhar
nas funduras abissais e aí consolidar as magmas e as placas tectónicas que
seguem o seu ritmo milenar. Mas perante
agentes concretos do caos, mãos abomináveis que armazenam arsenais de guerra
destrutiva e assinam friamente decretos mobilizadores da desgraça, accionam os
dedos sádicos para detonar os explosivos do inferno sobre o planeta que
pertence a todo o género humano - a
esses é urgente quem se lhes oponha, numa ofensiva conjunta, persistente, sem
tréguas, evitando sempre, se possível, as mesmas armas letais.
É
a convocatória global a que todos os países, arautos da paz e da vida, deviam
responder. Sabendo que os conflitos de interesses deturpam as leis e corrompem
as sociedades (governos que hoje se aliam para combater um país terceiro, mas
amanhã degladiam-se selvaticamente entre si por ambições de economia doméstica) perante
este cenário autofágico, é ao Povo Constituinte de cada Estado-Nação que
compete decidir e agir em conformidade com o Bem Comum, a Paz que nunca chega
porque é esse mesmo Povo que declina nas mãos de fanáticos dirigentes um
destino que originariamente lhe pertence.
Eu
sei que nenhum destes considerandos suaviza a tragédia em Itália. Para as
vítimas, a nossa solidariedade possível.
Mas um sentimento insuperável de revolta
toma conta do meu ser, quando vejo à minha volta mãos de homens, feitas da mesma massa que as minhas, e se arrogam o direito de portar-se como monstros
devoradores da condição humana. Mais execráveis e assassinas que a fúria dos
elementos.
25.Ago.16
Martins Júnior
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