Hoje
continuo a escrever ao sabor do que os olhos alcançam em meu redor. Hoje só quero ter todo o bom senso e consenso do mundo para tecer um
hino em tom maior a esse tronco bicéfalo
que sustenta o planeta: a inteligência e a solidariedade. Mas também sei que este
cântico não se escreve com partituras e poemas: faz-se, mostra-se na acção, na
produção de factos concretos.
Foi o que pude ver e tocar, anteontem, aquando da rápida subida a São Roque do
Funchal, onde os mordomos da festa do seu orago transformaram o programa de
arraial num almoço solidário em apoio às vítimas dos incêndios. Impressionou-me
a convicção e mais me surpreendeu o manifesto sentido de dever cumprido, estampado
no rosto sorridente de todos os participantes. É a isto que chamo inteligência
e solidariedade.
E porque era meu desejo saudar o líder daquela comunidade, o Padre José Luís
Rodrigues, fui encontrá-lo a colaborar na celebração da solenidade litúrgica do
orago da igreja do Imaculado. E aí deparei-me com idêntico cântico à
inteligência e à solidariedade: o Padre João Carlos explica ao auditório a
permuta do arraial exterior pela doação de todas as verbas do orçamento festivo,
precisamente, às vítimas dos incêndios. O Padre João Carlos Gomes é pároco do Imaculado e,
cumulativamente, da igreja do Livramento.
Estes gestos inteligentes e solidários
juntaram-se ao caso exemplar do 15 de Agosto, o famoso dia do Monte. Insisto no
binómio inteligência-solidariedade, porque nem sempre é fácil conciliá-los e
fazê-los interiorizar num colectivo de
múltiplas e divergentes motivações. Aí está a nata civilizacional de um Povo! E
dos seus líderes.
E aqui está a presença efectiva da
Igreja, a denominação (que deveria ser comum) do seu princípio activo. Fermento na massa, alma
dinâmica de um corpo em marcha, enfim, o seu código constitucional, o único,
transcrito em Mateus 25, 31 e sgs., e mais
tarde empiricamente explanado por Tiago,2,18, em resposta frontal a um
devoto fideísta: “Mostra-me a tua fé e eu mostro-te as minhas obras”.
À Igreja-Instituição, para não trair a
sua essência constitutiva, não lhe resta
senão entrar em campo, “sujar as mãos na lama, cheirar ao ‘perfume’ da ovelhas dos
currais”, como ordena o seu actual Pastor Universal. A Diocese não pode
refugiar-se apenas no pomposo biombo da Caritas “diocesana”, pois esta é fruto
exclusivo dos bens públicos e privados. E onde está o contributo efectivo da Diocese?
Que tem proventos nossos à sua guarda. E tem casas, prédios rústicos e urbanos
que poderia ceder aos filhos seus, refugiados sem abrigo. É agora – é a hora da
solidariedade inteligente. E, como se ouve a muita gente, não é com sermões e
entrevistas publicitárias à Rádio do Vaticano.
Devo
aqui manifestar a minha estranheza quando ouvi que do Santuário de Fátima viria
o contributo para as vítimas dos incêndios da Madeira: 50.000 euros. Ó senhores da religião mariana, saibam que a igreja
do Padre José Luís Rodrigues, só ela, recolheu 10.000 euros. E quantos “São Roque”
caberão numa só noite da Cova da Iria?... Mil, dez mil?... O negócio das velas provém
da devoção, bem ou mal interpretada, a Maria-Mãe. Não seria um imperativo
indeclinável reverter tudo dessa noite em prol dos seus filhos aflitos, indefesos?...
A que religião vos referis quando falais em religião de proximidade?...
Transformar
a Festa em Amor! As Festas em Amores reprodutivos. Bem hajam, nobres pastores
das zonas altas do Funchal. Tal como a Rainha Santa, transformastes as rosas em pão.
23.Ago.16
Martins Júnior
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