Haverá
aí alguém capaz de juntar numa única e vasta plataforma todos os Natais: os de
inspiração popular, os da paleta gótica de um Fra Angelico, os da primorosa Escola
Flamenga, onde o Menino nasce num salão real, com as cortinas de cambraia a
abrir-lhe a alcova. Estarão lá também os estonteantes néons de feira, os
pingentes de sininhos, bolinas, extra-terrestes pendurados nas espiguilhas, os
das árvores de plástico cromado, enfim, toda a gama de produtos com que se
entretém o vulgo. E todos eles sobrevoados pela abóbada colossal do Gloria in Excelsis Deo.
Como
um único episódio dá miríades de novelas!
Mas
é para a descoberta desse sentido último, que durante nove madrugadas, sem
interrupções, servem as Missas do Parto.
No
modesto templo que habito, descobriu-se o que vemos todos os dias - e todos os dias pisamos na romagem da vida.
É o Natal da Terra, ecologista sem tese, tremendo e singelo como o chão que nos
tem. O Natal sem cortinas de fumo e sem ferrolho nas portas: é o Natal aberto,
livro inescrito onde até os analfabetos sabem ler. Em síntese, este ano temos
seguido, pela mão de Teilhard de Chardin, a viagem dos nove meses em que se operou a
gestação do Menino no seio da jovem Maria de Nazaré.
Não é fácil (bem pelo contrário) “partir
o pão aos pequeninos” – na mimosa expressão do clássico Pe. Manuel Bernardes - traduzir
o génio criador, telúrico e místico, ao mesmo tempo, daquele que fez da matéria
a incarnação do espírito, a sua rampa de lançamento para o vértice da
convergência de quanto existe, a sua cosmogénese, em que todos os elementos
convergem naquele que é o Alfa e o Omega
da História. Mais concretamente, o parto
das missas nesta estância rural consiste em reconhecer que, afinal, a única
espiritualidade possível é a que começa no mais íntimo da terra e sobe até aos
confins sem fim do Autor Supremo.
Cito o Pe.Teilhard de Chardin, o
homem dos desertos e dos mares, das nervuras
vegetais e dos microssistemas povoados de todo o mistério das espécies:
“Tempera-te
na matéria, Filho da Terra,
banha-te nas suas camadas ardentes, porque ela é a fonte e a juventude da tua vida… Ah! Tu pensavas poder prescindir da matéria, porque o pensamento se acendeu em ti. Tu esperavas estar tanto mais vizinho do espírito, quanto mais meticulosamente desprezasses aquilo que te toca, mais divino quanto mais vivesses na ideia pura, angélica, separada do corpo, hostil teu ao próprio corpo… Pois bem, quase morreste de fome”.
banha-te nas suas camadas ardentes, porque ela é a fonte e a juventude da tua vida… Ah! Tu pensavas poder prescindir da matéria, porque o pensamento se acendeu em ti. Tu esperavas estar tanto mais vizinho do espírito, quanto mais meticulosamente desprezasses aquilo que te toca, mais divino quanto mais vivesses na ideia pura, angélica, separada do corpo, hostil teu ao próprio corpo… Pois bem, quase morreste de fome”.
Concretamente:
é a partir do natural que chegamos ao espiritual e ao sobrenatural, apreciando
e defendendo o ambiente, a atmosfera, o ar que respiramos, a flor que acariciamos,
os frutos que comemos. A natureza concentra o gérmen de toda a ascese e de toda
a mística, isto é, de toda a ascensão do
ser humano até ao Ser Divino.
A
mensagem de Teilhard de Chardin não encontra melhor tradução e sentido como no
nascimento dessa Criança que nasceu colada à terra e que mais tarde, já adulto,
tudo quanto ensinou bebia a inspiração primeira nos trigais, nos vinhedos, nos
pomares, nos lagos e rios da sua pátria. Não precisou de recorrer a silogismos pretensiosos
ou a tratados teológicos. A vida nele era a filosofia e a teologia essenciais.
Identificado com Teilhard de Chardin está o corajoso testemunho do Papa
Francisco na sua encíclica Laudato Si.
É
esta a mensagem do presépio. Bem longe, tanto da sofisticação ornamental como
da doutrinação oficial e dos rituais folclóricos. É esta, também, a Eucaristia vivida entre nós durante nove dias, em
homenagem à ´Mãe Terra, à Mãe-Vida, Senhora do Parto!
19.Dez.16
Martins Júnior
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