Esta
é a noite de amassar. Bem depressa vou eu até à lareira do forno, porque é a amassadura do pão de casa para a Ceia de
Natal. Sem este pão caseiro, não começa a festa.
Na
minha aldeia, há um forno comunitário. Há mais de quarenta anos reúnem-se os
vizinhos nesta noite e logo amanhã de
manhãzinha sai o pão dourado do trigo dos nossos campos. Dos nossos campos, todos iguais e
todos diferentes, vêm as espigas, cada qual com o seu grão: mais branco ou mais
escuro, mais crescido ou mais escasso, mais apetecível um ou menos o outro, consoante
o lote de terra e a moenga do moleiro.
Mas
todos se misturam. Antes da pá que os conduz ao fogo, a massa é tendida à força
de agressões braçais que fazem tremer a velha ceira redonda em cima da mesa da
cozinha. O fermento é o segredo para a levedura perfeita. Ele há de tantos
ingredientes e matizes, iguais à diferença de cada amassador. Há fermento de
paz e há-o de amargo travo. Há-os sabendo a amor e há-os fedando a ódios
tribais.
Mas
todos se misturam e descansam no mesmo berço, geminando sonhos de encontro,
chamas antecipadas de apertados abraços, por vezes duros, dolorosos.
A
massa vai ao forno e o que antes era sonho e chama frágil faz-se incêndio de luz capaz de matar fomes e sedes que vêm de longe e que os vizinhos
nunca tinham saboreado, assim, de
coração franco e cara descoberta. A festa começa lá dentro e cresce no meio da
rua, onde todos cantam o pão do amor e o vinho da alegria.
É
assim na minha aldeia. Há mais de quarenta anos!
Amanhã,
seis da madrugada a bater no coração, todos trazem uma abada invisível daquele
pão caseiro que tem registo de marca e nome já firmado no íntimo de si mesmos:
o PERDÃO! É a sua festa, a noite do Perdão, na mesa
comum da Ribeira Seca e sem a qual nunca haverá Natal.
Jamais
esquecerei o código de fé e saúde psíquica que me ensinara um velho camponês
(já reformado da vida), analfabeto de letra e sábio visionário na procura da
Verdade: “Para mim, senhor vigário, o Perdão é como o pão. Se não vier de casa,
amassado e cozido, não há nenhuma igreja
que lhe dê”.
Feliz
Natal, porque Feliz Perdão!
23.Dez.16
Martins Júnior
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