A
minha saudação de hoje tem tanto de ternura como de inquietação, senão mesmo de
indignação. Num recanto do presépio, de todos os presépios do mundo, dei comigo
a pensar nas duas perguntas em epígrafe. Sim, na roda gigante em que se balanceiam,
como autómatos teledirigidos, milhares de homens e mulheres atirados para o
maranhão das euforias cruzadas da época, bati à minha própria porta para saber quem é, afinal, o dono e, da mesma feita, quem é o beneficiário de iure et de factu deste Natal, de
todos os Natais. Deixei passar a turbamulta de notáveis, doadores oficiais das
festas, os pelotões de fazedores de luz aos borbotões, os hipercamiões abarrotados
de mercadoria sofisticada. Ao fim de tudo, apurei a vista interior e vislumbrei
que o grande autor e o maior destinatário deste “maremagnum” de vaidades anda
por aí - um ser frágil, indefeso, sujeito aos empurrões da multidão. O autêntico
dono do Natal é esse “pequenino-grande ser”, chamado Criança!
Não vejo quem se lhe possa comparar. O
relato puro e seco do momento histórico inicial assim o diz. Quer se acredite
ou não que o Menino de Belém é o Deus
personificado, quer se admita ou não a virgindade daquela Mãe Maria, um monumento
indestrutível ali se impõe: a Criança! Toda a grandura excelsa e toda a
colossal ressonância que varre o universo, desde então até hoje e sempre, estão
nos braços de uma Criança que, não obstante a sua fragilidade genética, segura
silenciosamente os gonzos do tempo passado, presente e futuro, tal como Hércules
sustentando as mitológicas colunas do
mundo.
Insisto
na titularidade de “dono e destinatário de todos os Natais” – a Criança -
porque o “Príncipe da Paz”, o portentoso Messias Prometido poderia ter surgido no pico sebastianista da mais alta montanha,
aureolado do mais fino diamante real. Mas, oh decepção tremenda: reduziu-se a
um débil recém-nascido, para mais, rejeitado por todos os proprietários da
cidade. Mais incisivo que o aspecto físico daquele bebé, o que fala mais alto é
a sua simbologia gritante.
Com
efeito, a Criança não passava, naquela época, de mero episódio descartável, sob qualquer
pretexto. Confira-se o Salmo 136, por onde se vêem a indiferença e a crueldade
com que eram tratadas as crianças. “Feliz
e bem-aventurado será aquele que agarrar
nas tuas crianças de peito e a as espedaçar contra uma rocha”. A Criança, pois,
objecto de vingança pela derrota dos judeus frente ao povo vizinho, como
testemunha o “santo” Rei David. É conhecida a tristemente famosa Rocha Tarpeia,
na Antiga Roma, de onde eram atiradas as crianças deficientes, a par dos
criminosos de lesa-pátria.
A
Criança, sobre a qual se construiu o mundo futuro! O nascimento em Belém veio
reabilitar definitivamente a Criança para a história, veio colocá-la na
centralidade de todos os Natais e de todos os tempos. Aqui se inscreve a minha
ternura dinâmica. E aqui, também, a minha indignação pela indiferença com que
são tratados os que ensaiam os primeiros passos da vida. Sem pretender
dramatizar os cenários, ouso denunciar com veemência os atentados à Criança e
ao seu saudável crescimento evolutivo, seja
o cortejo esquálido das crianças refugiadas, seja o nauseabundo poço da
pedofilia, seja ainda a prepotência de ampliar turmas e cortar escolas sem
atender ao superior interesse dos utentes.
Perante
tais abusos, apetece mandar arrastar para outra “rocha tarpeia” a prosápia
hipócrita de iluminações feéricas ou as parentes balonas das armas de guerra e
transformá-las em berços de afectos e alcovas de luz para o advento do
verdadeiro Natal. Uma saudação muito emotiva para com os pais e encarregados de
educação, professores, vigilantes, assistentes dos estabelecimentos de ensino. Alto e bom som, proclamo que sois vós os autênticos
construtores do presépio original. São
as vossas mãos que, dia-a-dia, vão levantando os degraus e a beleza das “lapinhas”
humanas, aquelas que exclusivamente interessam ao mundo.
Que
nunca se acabem, ao longo de todo o ano, os acordes felizes da Tuna Infanto-juvenil
do Centro Cívico da Ribeira Seca, como documenta a
gravura, na abertura do presépio que as autarquias de Machico construíram no
centro da cidade.
“Cantai
Crianças nesta Festa do Povo
Cantai
Crianças p’ra fazer um Mundo Novo”.
09.Dez-16
Martins Júnior
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