Se
há cenas mais humilhantes no teatro da “comédia humana”, (porque prenhes de cinismo
e hipocrisia) uma delas é a que hoje mesmo nos ofereceram todos os canais da comunicação em Portugal. Mais que a
final de um campeonato perdido, mais que um repentino ataque de afonia ao tenor
de ópera em palco, mais que a desilusão de um concurso falhado!
Para o monóculo do meu observatório
diário, não importa qual o governo, qual o partido ou quais os figurantes da
cena descrita. É um episódio comum a todos os tempos e a todos os lugares. Nem
tão pouco me ocupa o mérito ou demérito, o empenho e o “des-empenho” dos
intervenientes. Detenho-me apenas no dentro mais dentro – psicológico, social,
talvez invisível – dos actores que ‘ontem’ enchiam toda a ribalta e ‘hoje’ arrastam-se (ou são arrastados) às
recuas para os bastidores ou para os fundos de um palco que já foi seu.
Para
ilustrar, em alto ou baixo-relevo, o quadro que aqui trago, nada melhor que
rebobinar o filme ( mais um “puxa p’ra trás”) e ver a primavera em flor nos
punhos acetinados e nas gravatas brilhantes daquele dia (há três anos foi) em
que os sonhos de bem servir o povo, sobretudo o chefe, escorriam na tinta com
que assinavam o Livro de Honra da tomada de posse. E os aplausos, as juras, os dentes de alvor a cada abraço que compunha o
‘beija-mão’ da praxe. Lado a lado, coloque-se a fita filmada hoje: Os mesmos,
mas discretos, fugidios, os descartados, como espinhas na roda do prato, mas
mesmo assim com um sorriso cor das folhas de outono, mais o emotivo abraço do
encenador (“muito obrigado, pelo excelente papel que fizeram” – “ora essa, nós
é pedimos para sair de cena”) enfim, um espectáculo do mais viperino
contorcionismo de circo. Devo dizer que , apesar do verniz encobridor, mantenho
o maior respeito e até simpatia pela coragem, embora diplomática, dos actores
que certamente contavam perfazer o quarto acto da peça para que foram
convocados.
Mergulhando
mais a fundo, imagino que eles no seu íntimo estariam a curtir uma mágoa,
talvez protesto – “mais não fizemos porque não nos deram mais dinheiro das
Finanças, nem fomos nós os principais culpados das fífias ocorridas” – mágoas essas
que farão parte da sua memória futura. Partem diminuídos e despedidos para que outros fiquem aumentados e
promovidos!
Com
este breve arrazoado, junto-me àqueles sábios “de experiência feitos” que
assistiram e escreveram as fragilidades, as oscilações imponderáveis e, consequentemente, o descarte a que ficam
condenados os que abraçaram generosamente a “bandeira da pátria”. É, em resumo,
a impotência do poder. Repito: de todos os tempos e lugares. A todos eles,
atrever-me-ia a receitar a sabedoria que o Mestre Nazareno doou aos seus
discípulos, quando estes lhe vieram contar os sucessos da sua campanha entre os
judeus: “Ao acabar o vosso trabalho, dizei apenas: somos servos inúteis, só
fizemos o que devíamos fazer”.
Fecho
aqui as janelas do meu observatório, guardando na retina a “reprise” (perdoem o
galicismo) dos mesmos sorrisos, dos mesmos abraços e das mesmos deslumbramentos
daqueles que hoje entraram em campo para jogar os últimos “vinte e poucos
minutos” do grande campeonato quadrienal. E que ninguém se esqueça do Sérgio
Godinho: ”Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”! Ministerial, claro.
15.Out.18
Martins Júnior
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