segunda-feira, 15 de outubro de 2018

DIMINUIDOS E DESPEDIDOS ou A IMPOTÊNCIA DO PODER


                                                                   

        Se há cenas mais humilhantes no teatro da “comédia humana”, (porque prenhes de cinismo e hipocrisia) uma delas é a que hoje mesmo nos ofereceram  todos os  canais da comunicação em Portugal. Mais que a final de um campeonato perdido, mais que um repentino ataque de afonia ao tenor de ópera em palco, mais que a desilusão de um concurso falhado!
         Para o monóculo do meu observatório diário, não importa qual o governo, qual o partido ou quais os figurantes da cena descrita. É um episódio comum a todos os tempos e a todos os lugares. Nem tão pouco me ocupa o mérito ou demérito, o empenho e o “des-empenho” dos intervenientes. Detenho-me apenas no dentro mais dentro – psicológico, social, talvez invisível – dos actores que ‘ontem’ enchiam toda a ribalta  e ‘hoje’ arrastam-se (ou são arrastados) às recuas para os bastidores ou para os fundos de um palco que já foi seu.
Para ilustrar, em alto ou baixo-relevo, o quadro que aqui trago, nada melhor que rebobinar o filme ( mais um “puxa p’ra trás”) e ver a primavera em flor nos punhos acetinados e nas gravatas brilhantes daquele dia (há três anos foi) em que os sonhos de bem servir o povo, sobretudo o chefe, escorriam na tinta com que assinavam o Livro de Honra da tomada de posse. E os aplausos, as juras,  os dentes de alvor a cada abraço que compunha o ‘beija-mão’ da praxe. Lado a lado, coloque-se a fita filmada hoje: Os mesmos, mas discretos, fugidios, os descartados, como espinhas na roda do prato, mas mesmo assim com um sorriso cor das folhas de outono, mais o emotivo abraço do encenador (“muito obrigado, pelo excelente papel que fizeram” – “ora essa, nós é pedimos para sair de cena”) enfim, um espectáculo do mais viperino contorcionismo de circo. Devo dizer que , apesar do verniz encobridor, mantenho o maior respeito e até simpatia pela coragem, embora diplomática, dos actores que certamente contavam perfazer o quarto acto da peça para que foram convocados.
Mergulhando mais a fundo, imagino que eles no seu íntimo estariam a curtir uma mágoa, talvez protesto – “mais não fizemos porque não nos deram mais dinheiro das Finanças, nem fomos nós os principais culpados das fífias ocorridas” – mágoas essas que farão parte da sua memória futura. Partem diminuídos e despedidos  para que outros fiquem aumentados e promovidos!
Com este breve arrazoado, junto-me àqueles sábios “de experiência feitos” que assistiram e escreveram as fragilidades, as oscilações imponderáveis  e, consequentemente, o descarte a que ficam condenados os que abraçaram generosamente a “bandeira da pátria”. É, em resumo, a impotência do poder. Repito: de todos os tempos e lugares. A todos eles, atrever-me-ia a receitar a sabedoria que o Mestre Nazareno doou aos seus discípulos, quando estes lhe vieram contar os sucessos da sua campanha entre os judeus: “Ao acabar o vosso trabalho, dizei apenas: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer”.
Fecho aqui as janelas do meu observatório, guardando na retina a “reprise” (perdoem o galicismo) dos mesmos sorrisos, dos mesmos abraços e das mesmos deslumbramentos daqueles que hoje entraram em campo para jogar os últimos “vinte e poucos minutos” do grande campeonato quadrienal. E que ninguém se esqueça do Sérgio Godinho: ”Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”! Ministerial, claro.

15.Out.18
Martins Júnior               


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