I
Jesus
percorre a estrada entre Jerusalém e Jericó, acompanhado da multidão. Numa das
bermas, um cego grita repetidamente: “Filho de David, tem compaixão de mim”. Um
dos doze, talvez Pedro, repreende o homem: “Não vês que é feio gritares assim?” Mas o cego dobra os gritos, cada vez com mais
força e aflição: “Jesus, tu és o Messias, vale-me, nesta hora. A um gesto do
Nazareno, o tal apóstolo diz ao cego: “O Mestre quer que vás acolá falar com
ele”. O cego larga o bordão e de repente dá um salto sem saber onde iria cair.
II
O
Nazareno vê o cego prostrado à sua
frente e pergunta-lhe: “Ó homem, o que é queres de mim?” – “Senhor, fazei que
eu veja”. E de imediato se lhe abriram os olhos e ficou a ver. Depois, olhou o
cego e explicou-lhe quem tinha sido o autor do milagre; “Fica sabendo que quem
te curou foi a tua fé”. Não lhe pediu nada em troca, nem o cego tinha nada que
lhe oferecesse, O homem seguiu a multidão, cantando e louvando o Messias.
III
A
cena passa-se no último quartel do século XX
Um ilustre causídico, amigo do peito, veio à Madeira como advogado nos vários processos que o governo e a diocese entenderam mover contra mim. Ganhou todos os litígios forenses e nunca me cobrou um centavo. Entretanto, ao longo de vários anos, juntei um
razoável pecúlio e fui a Lisboa entregar-lhe tal poupança, como honorário
simbólico para todo o seu extraordinário trabalho em meu favor. Desapontado,
quase ofendido, o ilustre jurista afasta o envelope que lhe coloquei em cima da
mesa, fita-me com olhar directo e atira-me este repto; “Sendo assim, queres
dizer que de hoje em diante acabou a nossa relação de amigos para tornar-se uma
obrigação entre advogado e cliente, um contrato de vendedor e comprador. Recuso”.
Foi então que senti com maior emoção e profundidade a generosidade autêntica e
a genuína gratuitidade de tudo o que se faz por amor.
E porque hoje é sábado – todos os fins
de semana trazem mensagens que transcendem o tempo – debrucei-me sobre a
narrativa de Marcos, capítulo 10, versículos 46-52, que hoje é lida em todos os
templos. E pergunto: Não fossem o ânimo, a força de vontade e a insistência do
cego, teria o Mestre intervindo nesta conjuntura?... Razão tinha, pois, para esclarecer: “Foi a tua
fé que te curou. Não fui eu”. Que reação teria Jesus se o cego lhe quisesse “pagar”
a consulta de oftalmologia e a
consequente solução milagrosa?... Teria sido igual ou diversa da atitude tomada
pelo supra-mencionado advogado?...
Nos dias que correm, perante certas
feiras pseudo-religiosas, urge seriamente questionar: Quem deu autorização para
classificar o Supremo Senhor como o pior e mais egoísta de todos os comerciantes,
agiota banqueiro e vendedor de promessas?...
27.Out.18
Martins Júnior
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