É a fúria dos elementos
que fecha esta semana de Outubro e é a mesma raiva dos ventos que abre a manhã
de Domingo.
Terça-feira, nove,
chegaram até nós as reminiscências das aluviões de 1803 que enlutaram centenas,
milhares de famílias no Funchal e em Machico. Em onze, o mar revolto “entrou”
pelas galerias do Teatro da cidade e bramiu, bravio, na “Ode Marítima”. Em
treze, aos pavorosos fenómenos atmosféricos alegadamente ocorridos em 1917,
juntou-se de rajada o furacão “Leslie” com destino a Portugal Continental. Por mais
estranho que pareça, o turbilhão que fende os rochedos e devasta as cidades
inspira no ânimo dos povos sentimentos de evasão extra-terrestre, recorrendo às
divindades, queimando bulas sacras contra as trovoadas, acendendo frágeis
luminárias em intermináveis cortejos medievais, onde a emoção, o medo e uma
suposta fé se misturam com outras tantas amostras do chamado “vil metal”. Nos “Milagres”,
no “Monte”, em “Fátima”, o dinheiro derrete-se entre as chamas industriais de
um fogo quase místico, como se fosse capaz de aplacar Eolo e Neptuno na sua
fúria devoradora.
Em dois traços, o que
se pretende é agradar a Deus, presenteando-O com dinheiro. Ora, “porque hoje é
sábado, amanhã domingo”, são-nos
oferecidas ferramentas e soluções para dirimir este grave dilema: Estará Deus
sentado ao balcão do Além, aguardando que lhe abrandem a “ira” com dinheiro?
Leiamos o texto de Marcos, 10, 17-27.
Um homem apresenta-se
ao Mestre: desejoso de aderir ao seu grupo e às suas propostas de vida, pergunta-lhe
quais as credenciais e as exigências – a lei de Moisés, ao que ele responde: “Mestre,
tudo isso tenho cumprido, desde a minha infância”. Mas o homem queria mais. “Então,
vai todos os teus bens, dá aos pobres e depois vem comigo”
Fiquemos por aqui. A
resposta é inequívoca, sem hesitações nem reticências. Em poucas palavras, está
a chave do dilema. Reconstituamos nós a síntese do argumentário proposto pelo
Mestre. Ele não disse: pega nesse dinheiro todo e dá-mo, para comprovativo da
tua fé. Ou: toma o teu dinheiro e deposita-o no altar do templo. Ou: manda
erguer uma capela, uma imagem, um santuário condigno para Mim, Ou ainda: aluga
milhares de círios e fá-los desfilar na procissão votiva, ou faz uma doação à
igreja, um cálice de ouro, uma âmbula de prata, uma custódia de diamantes. Nada
disso receitou o nosso Cristo. Só isto: dá aos pobres.
Nesta expressão magnânima
“dar aos pobres” pode estar incluso um outro normativo: “Restitui o que deves,
paga o justo salário aos teus trabalhadores, dá àquele que não tem com que te
retribuir”. Não pensem os grandes capitalistas que, perante a Justiça Suprema, ‘vão
tapar o sol com a peneira’, isto é, que vão comprar com dinheiro o Juiz do
Universo, com legados pios, alfaias bordadas a ouro, enfim, com os bastões de
cera mole, ostentados garbosamente, ao bom estilo farisaico.
A todos quantos, de
consciência ingénua e ainda obnubilada pela inércia de pensamento, ressoa, mais
forte que o furacão “Leslie”, aquele imperativo do Mestre: “Dos teus bens, dá
aos pobres”.
13.Out.18
Martins
Júnior
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