sábado, 13 de outubro de 2018

O LUME NÃO QUEIMA O VENTO


                                                     

É a fúria dos elementos que fecha esta semana de Outubro e é a mesma raiva dos ventos que abre a manhã de Domingo.
Terça-feira, nove, chegaram até nós as reminiscências das aluviões de 1803 que enlutaram centenas, milhares de famílias no Funchal e em Machico. Em onze, o mar revolto “entrou” pelas galerias do Teatro da cidade e bramiu, bravio, na “Ode Marítima”. Em treze, aos pavorosos fenómenos atmosféricos alegadamente ocorridos em 1917, juntou-se de rajada o furacão “Leslie” com destino a Portugal Continental. Por mais estranho que pareça, o turbilhão que fende os rochedos e devasta as cidades inspira no ânimo dos povos sentimentos de evasão extra-terrestre, recorrendo às divindades, queimando bulas sacras contra as trovoadas, acendendo frágeis luminárias em intermináveis cortejos medievais, onde a emoção, o medo e uma suposta fé se misturam com outras tantas amostras do chamado “vil metal”. Nos “Milagres”, no “Monte”, em “Fátima”, o dinheiro derrete-se entre as chamas industriais de um fogo quase místico, como se fosse capaz de aplacar Eolo e Neptuno na sua fúria devoradora.
Em dois traços, o que se pretende é agradar a Deus, presenteando-O com dinheiro. Ora, “porque hoje é sábado, amanhã domingo”,  são-nos oferecidas ferramentas e soluções para dirimir este grave dilema: Estará Deus sentado ao balcão do Além, aguardando que lhe abrandem a “ira” com dinheiro?
Leiamos o texto de  Marcos, 10, 17-27.
Um homem apresenta-se ao Mestre: desejoso de aderir ao seu grupo e às suas propostas de vida, pergunta-lhe quais as credenciais e as exigências – a lei de Moisés, ao que ele responde: “Mestre, tudo isso tenho cumprido, desde a minha infância”. Mas o homem queria mais. “Então, vai todos os teus bens, dá aos pobres e depois vem comigo”
Fiquemos por aqui. A resposta é inequívoca, sem hesitações nem reticências. Em poucas palavras, está a chave do dilema. Reconstituamos nós a síntese do argumentário proposto pelo Mestre. Ele não disse: pega nesse dinheiro todo e dá-mo, para comprovativo da tua fé. Ou: toma o teu dinheiro e deposita-o no altar do templo. Ou: manda erguer uma capela, uma imagem, um santuário condigno para Mim, Ou ainda: aluga milhares de círios e fá-los desfilar na procissão votiva, ou faz uma doação à igreja, um cálice de ouro, uma âmbula de prata, uma custódia de diamantes. Nada disso receitou o nosso Cristo. Só isto: dá aos pobres.
Nesta expressão magnânima “dar aos pobres” pode estar incluso um outro normativo: “Restitui o que deves, paga o justo salário aos teus trabalhadores, dá àquele que não tem com que te retribuir”. Não pensem os grandes capitalistas que, perante a Justiça Suprema, ‘vão tapar o sol com a peneira’, isto é, que vão comprar com dinheiro o Juiz do Universo, com legados pios, alfaias bordadas a ouro, enfim, com os bastões de cera mole, ostentados garbosamente, ao bom estilo farisaico.
A todos quantos, de consciência ingénua e ainda obnubilada pela inércia de pensamento, ressoa, mais forte que o furacão “Leslie”, aquele imperativo do Mestre: “Dos teus bens, dá aos pobres”.

13.Out.18
Martins Júnior      


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