domingo, 9 de dezembro de 2018

70 ANOS!... HINO DE PARABÉNS OU CAMPAINHA DE ALARME?


                                                           

Quem me dera e quem nos dera ter lá estado nessa tarde sombria de outono com sabor a manhã de primavera! Foi em Paris, Palais de Chaillot, dia 10 de Dezembro de 1948. Lá dentro, os representantes de 48 países confrontados com a hecatombe da férrea ditadura nazi. Cá fora, a pequena multidão - aqueles e aquelas que tinham sobrado ao Holocausto - aguardava a proclamação universal da dignidade humana, vilipendiada e afogada no sangue da guerra. E o alvoroço tomou conta de corpos e almas, das que lá estavam e das que em todo Ocidente esperavam a grande nova: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e em direitos… sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outro qualquer estatuto”.
A mensagem correu à velocidade da luz, porque de alvorada e luz eram as suas asas, Está hoje traduzida em  512 línguas e foi adoptada por 193 Estados.
Enquanto escrevo, lá em Paris, no mesmo Palais Chaillot, ultimam-se os cenários para a solene comemoração do 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Mas não será a mesma a emoção dos países (ou representantes) de outrora. Nessa altura, a assinatura do histórico documento constituía um imperativo irrecusável das nações vítimas da ferocidade bélica, era o pão para a fome e a água para a sede das populações envolvidas. Aliás, já vinha de longe o almejado  gérmen da dignificação do indivíduo face à todo-poderosa soberania do Estado, O sonho de João-Sem-Terra e da sua  “Magna Carta”,  em 1215, foi circulando nos subterrâneos da história, ganhou impulso com a declaração de independência dos EUA  em 1776, da revolução francesa de 1789, mais tarde retomado pela acção do presidente Roosevelt e do francês René Cassin, até culminar no texto de 1948.
Não tem sido fácil o percurso dessa primavera europeia. No iter negocial da Declaração Universal enviesaram-se interesses e entraves, quase todos diplomaticamente dissimulados de formulações ideológicas: uns, porque os direitos económicos e  sociais deviam sobrepor-se aos direitos individuais, portanto a dicotomia interesse do indivíduo ou direito da colectividade.; outros, como (paradoxalmente!) a Igreja Católica e o Islão opunham o argumento da subalternização do divino ao humano, que tornava inaceitável o primado do homem sobre Deus. Só em 1965, a Igreja (Vaticano II) admitiu a liberdade religiosa. Outra corrente, esta mais recente, como na Polónia e na Hungria, entende que a prevalência dos direitos do cidadão põe em causa a soberania nacional, enfim, o nacionalismo exacerbado em marcha, como nos EUA, America first. Quanto aos africanos e asiáticos, recusam os termos da Declaração porque, alegam, tal significaria a ocidentalização dos seus países. Pretendem, nesta área, autonomia de procedimentos legais e subsequentes padrões comportamentais.
Por tudo isto, quão diferente será amanhã a comemoração dos 70 anos, em Paris! Razão tinha Samuel Moyn quando, já em 2012, considerava a Declaração de 1948 uma “utopia” para os tempos que correm. Mais  frontal, embora carregada de um deprimente pessimismo, foi Angela Merkel, ao afirmar no discurso comemorativo do fim da primeira guerra mundial (1918-2018): “Imaginemos que nós, Nações Unidas, teríamos de assinar uma Declaração idêntica, Seríamos nós capazes de o fazer?... Temo que não”.
Para onde caminhamos nós?...
Ainda há uma luz ao fim do túnel. Deixo-a aqui, por corresponder à verdade factual e também para ânimo de quem luta: quando o mundo começa a perder os inalienáveis direitos humanos, têm de ser as basses, os pequenos, direi mesmo, os párias da sociedade que deverão de entrar na liça para reconquistá-los.  Dos grandes e das cúpulas nada se espera. Por isso, louvo daqui todos quantos, na sua esfera de acção, lutam, manifestam-se, dão a cara e o talento em prol da ressurreição da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

09.Dez.18
Martins Júnior                                            

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