quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O TRONO DO IMPÉRIO DISFARÇADO NO BERÇO DA FÉ


                                                 

No frenesim do pré-Natal não há mãos a medir nem pausa para respirar. Parece que, nesta azáfama desenfreada a caminho do presépio – seja qual o figurino, imaginário ou inexistente – o único sinal de trânsito a observar é este: “Não parar”!
Também estou nessa corrida. Estou - que digo eu?... Estamos! Aqui, neste modesto recanto da ilha, mora uma comunidade que faz um percurso enorme de seis séculos, na procura dos presépios de outrora, os que se implantaram ao longo dos 600 anos da historiografia madeirense. Já percorremos o século XV, a euforia do Achamento da ilha e o estuário crescente da expansão marítima. Em cada madrugada – seis horas da manhã – há um fio luminoso que precede a alvorada. São os momentos de reflexão sobre um passado que é nosso e que constitui o grande presépio dos 600 anos.
Estamos a navegar hoje, não nas caravelas henriquinas, mas na chamada Nau de Pedro, o Pescador, a instituição eclesiástica, que desde a primeira hora ancorou em terras madeirenses e aqui assentou arraiais, como rampa de lançamento para todo o planeta terráqueo. Era o tempo da promiscuidade sacro-profana, mas em proporções tais que a Igreja ficava com o papel de “ancilla”, serva incondicional do poder político. Da Sé do Funchal – instalada no “campo do Duque” - abriram-se mitras e solidéus por todas as possessões portuguesas dispersas nos oceanos. No Brasil, nas Áfricas, em longínquas paragens asiáticas. Pode a diocese do Funchal, a primeira fora do território continental, ufanar-se do pioneirismo indismentivel  que alcançou no seio da Cristandade de então, fruto da aura aventureira dos homens do Senhor Infante. Foi a ilha evangelizada e foi ela embrião criador de novas dioceses espalhadas pelo mundo. Aliás, foi  a tónica triunfalista das comemorações dos 500 anos da mitra do Funchal e a que deram o pomposo cognome de “Diocese Global”. Nessa digressão, porém,  ocultaram-se nódoas comprometedoras e acontecimentos deprimentes para a dignidade do poder religioso, entre os quais,  o direito de preferência  da Coroa na nomeação dos bispos e no provimento das dioceses. Sob a veste reluzente de arautos do Evangelho, “Espalhar a Fé e o Império”, os nobres comandantes das campanhas de então outro fito não tinham senão servir-se das pobres palhas de Belém para montar o trono do seu poder imperial. Acresce, ainda, o silêncio da Igreja perante o comércio de escravos que impunemente proliferou na ilha, aquando das campanhas açucareiras na Madeira.
Impossível recortar em poucas linhas as reflexões que acompanham esta comunidade, na descoberta do verdadeiro Presépio de Belém, através dos seis séculos da nossa história insular. Vamos prosseguir viagem, desde o alvor de cada manhã que nos levará ao Grande Dia. Muitas surpresas, muitas incógnitas e, sobretudo, muita sede de água límpida para a nossa sede de Verdade. “Quem quiser, venha connosco”!

19.Dez.18
Martins Júnior
                          

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