Gostaria
de nunca ter escrito esta mágoa. E não sei se um dia arrepender-me-ei de tê-lo
feito. Mas a evidência dos factos não me larga.
O Presépio aí está: o de Belém, o
único, a matriz de todos os outros. Os outros, filhotes estandardizados,
multiplicam-se e crescem como cogumelos por quanto é canto, desde as capelas
humildes, os recantos de jardim, as praças espectaculares. Desde os casebres de
aldeia aos palácios do rei. Até aqueles que decretam matar o Menino também têm nos
seus aposentos um gracioso presépio. O vulgo – crente ou não crente – esse diverte-se,
comove-se, delicia-se com os ‘bonecos’ figurantes de cena: burrinho, vaquinha,
pastorinhos, ovelhinhas, anjinhos tocando, cantando e outra vez retocando o Gloria
in excelsis Deo. Na liturgia do dia, repetem-se até à exaustão os mesmos
relatos, as mesmíssimas ingénuas peripécias de José e Maria batendo em vão à
porta das pensões à procura de cama e parteira para a grávida donzela.
É
de ver e pasmar a atenção dos mirones para as originalidades e ‘originalidezes’
de cada espécime de presépio, do mais rude ao mais pintado. E ninguém se lembra
de interpelar aquela Criança, para fazer a única e necessária pergunta: “Que
vens fazer aqui, Menino?.. Que é que te fez nascer por estas bandas?... Qual é
o teu projecto de vida”?..
E
aí começa a grande decepção. Para a própria Criança, em primeiro lugar. Todo o
seu sonho transforma-se em pesadelo, vendo a olho-nu que, rodados mais de vinte séculos, o “homem continua lobo
de outro homem” e a anunciada bandeira da paz universal, afinal, mais não é que
um camuflado ensopado em sangue de guerra. A própria instituição que assaltou o
estábulo de Belém, alterou-lhe a traça e as alfaias, caiou e rebocou-lhe as
paredes, alargou e alteou os pilares, até fazer dele um faustoso mausoléu, onde
morre o espírito e cresce a contradição. “O mundo, que era seu, não o
reconheceu”. (João.1, 10). É por isso
que o Natal não passa de uma ficção. Tão bem urdida que veio a tecnologia colori-la de fantasias
mil. Dir-se-ia que os poderes – financeiro, político e pseudo-religioso – agora embebedam de luz o
planeta, para deixá-lo às escuras o ano inteiro!
Não
é exótico masoquismo o que escrevo. Não
me faltam canções, iguarias, carrilhões e simpáticas liturgias. Nem me faltam presépios,
dos mais genéricos aos mais temáticos. O que faz falta é o Presépio! O que
incomoda é o narcótico que nos domina, directa ou indirectamente. E o que
revolta é hibernar “alegremente” neste espasmo de contradições.
Já
vedes o porquê do desabafo inicial: preferia nunca ter escrito este fio de
mágoa profunda. Conforta-me (e a muitos, decerto) o desejo de manter-me
acordado e vigilante para actualizar em cada dia que passa o projecto vivo da
Criança de Belém!
25.Dez.2018
Martins Júnior
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