segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

“REQUIEM” POR 2018: “O ANO DOS CHARLATÃES”


                                                

É certo que de há décadas fiz o voto ( e impu-lo na minha conduta) de declarar guerra ao pessimismo primário e às lentes opacas, cinzentas, depressivas com que olhar a paisagem em meu redor. Mas, neste final de 2018, a realidade ultrapassou o desejo. Já tinha decidido deixar em branco o último dia ímpar deste ano, propositadamente para não quebrar o meu antigo compromisso. Porque não é nada fácil assistir ao sol poente de 2018 sem detectar fantasmas reais rajados de negro.
Entretanto recobrei ânimo no artigo de Moisés Naim, publicado ontem em EL PAÍS, sob o impressivo título de “2018: O ano dos charlatães”. Mas é isto  que eu desejaria escrever – disse comigo mesmo. E aqui estou para não só reproduzir o pensamento do articulista, mas para visualizá-lo em muitos outros episódios desta “comédia bufa“ do ano a finar-se.
Moisés Naim recorta o perfil do “charlatão digital” que escolhe o seu público-alvo, as sua “vítimas”, propensas à credulidade fácil, “pessoas que, com toda a razão, se sentem agravadas, frustradas e ameaçadas com o futuro. Elas constituem um apetitoso mercado para os charlatães que lhes oferecem soluções simples, instantâneas e indolores”. Com plena propriedade, o autor personifica em Vladimir Putin e em Donald Trump o protótipo do malabarista profissional que recorre a todos os meios, lícitos ou ilícitos, entre os quais as redes sociais, para espalhar as suas mentiras. E concretiza: “Segundo o Wasington Post, Trump fez 5.000 afirmações falsas nos primeiros 601 dias de presidente, uma média de 8,3 por dia. Recentemente bateu o seu próprio record, produzindo num só dia 74 mentiras. Pouco lhe importa, porque ele sabe que o povo está pronto para aceitar”.
É deveras assustadora a meteorologia dos tempos que correm, batida e rebatida, vestida e travestida, alucinada e tresloucada até ao limite da mais rasca irracionalidade de não saber para onde  vai nem de tomar pé na voragem da torrente quotidiana.  Bem vaticinou Fernando Pessoa:
Ninguém sabe que coisa quer
Ninguém conhece que alma tem
Nem o que é mal nem o que é bem
Tudo é incerto e derradeiro
Tudo é disperso nada é inteiro
  E é neste caldo febril de cepticismo e obscuridade que surgem os ilusionistas de circo, a que Moisés Naim chama charlatães. E acrescenta: “Ultimamente o mercado da charlataria, especialmente na política, tem alcançado tão grande apogeu”. Não só na política. Também na economia, nas convenções, até nas religiões.
Não será difícil “ver”  no cenário europeu a batraquiomaquia do Brexit, o populismo na Hungria, a ascensão do autoritarismo na Alemanha, na Andaluzia e – oh céus! – o regresso do maquiavelismo militarizado que amanhã será entronizado no Brasil. E mesmo sob a bandeira republicana verde-rubra, vão-se infiltrando no corpo social, como enguias entre os seixos, as promessas não cumpridas, os ditos-por não-ditos, os trapezistas invertebrados, enfim, os charlatães. Sem esquecer as contorções internas cá do burgo por parte de quem não lhe doi, nem um pico, a arte de branquear factos e autores cuja negritude deveria fazê-los cobrir de vergonha. Ou até a espantoso e cega obsessão de trazer para protagonistas de cena  aqueles que foram corridos de dentro de casa e agora voltam impantes, perdoados, canonizados por quem os amaldiçoou e os apeou sem apelo nem agravo. Francamente, já não sei de que terra sou, Nem me reconheço sequer!
Preferia ter cantado loas ou, como nas liturgias que roçam a charlataria, ter pago um sumptuoso Te-Deum ao ano de 2018. Seria contra a verdade dos factos. Seria engordar a repugnante massa dos aprendizes de feiticeiro da feira, que Moisés Naim condena nestes termos: “Chegámos a esta lamentável realidade: os seguidores (por acção ou omissão, acrescento eu) dos charlatães são tanto ou mais culpados que eles, pois que levam a sociedade a apoiar más ideias, eleger maus governantes ou acreditar nas suas mentiras”. 

31-Dez-18
Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário