É
certo que de há décadas fiz o voto ( e impu-lo na minha conduta) de declarar
guerra ao pessimismo primário e às lentes opacas, cinzentas, depressivas com
que olhar a paisagem em meu redor. Mas, neste final de 2018, a realidade
ultrapassou o desejo. Já tinha decidido deixar em branco o último dia ímpar
deste ano, propositadamente para não quebrar o meu antigo compromisso. Porque
não é nada fácil assistir ao sol poente de 2018 sem detectar fantasmas reais
rajados de negro.
Entretanto
recobrei ânimo no artigo de Moisés Naim, publicado ontem em EL PAÍS, sob o impressivo título de “2018:
O ano dos charlatães”. Mas é isto que eu
desejaria escrever – disse comigo mesmo. E aqui estou para não só reproduzir o
pensamento do articulista, mas para visualizá-lo em muitos outros episódios desta
“comédia bufa“ do ano a finar-se.
Moisés
Naim recorta o perfil do “charlatão digital” que escolhe o seu público-alvo, as
sua “vítimas”, propensas à credulidade fácil, “pessoas que, com toda a razão,
se sentem agravadas, frustradas e ameaçadas com o futuro. Elas constituem um
apetitoso mercado para os charlatães que lhes oferecem soluções simples, instantâneas
e indolores”. Com plena propriedade, o autor personifica em Vladimir Putin e em
Donald Trump o protótipo do malabarista profissional que recorre a todos os
meios, lícitos ou ilícitos, entre os quais as redes sociais, para espalhar as
suas mentiras. E concretiza: “Segundo o Wasington
Post, Trump fez 5.000 afirmações falsas nos primeiros 601 dias de
presidente, uma média de 8,3 por dia. Recentemente bateu o seu próprio record,
produzindo num só dia 74 mentiras. Pouco lhe importa, porque ele sabe que o
povo está pronto para aceitar”.
É
deveras assustadora a meteorologia dos tempos que correm, batida e rebatida,
vestida e travestida, alucinada e tresloucada até ao limite da mais rasca irracionalidade
de não saber para onde vai nem de tomar
pé na voragem da torrente quotidiana. Bem vaticinou Fernando Pessoa:
Ninguém sabe que coisa
quer
Ninguém conhece que
alma tem
Nem o que é mal nem o
que é bem
Tudo é incerto e
derradeiro
Tudo é disperso nada é
inteiro
E é
neste caldo febril de cepticismo e obscuridade que surgem os ilusionistas de
circo, a que Moisés Naim chama charlatães. E acrescenta: “Ultimamente o mercado
da charlataria, especialmente na política, tem alcançado tão grande apogeu”.
Não só na política. Também na economia, nas convenções, até nas religiões.
Não
será difícil “ver” no cenário europeu a
batraquiomaquia do Brexit, o populismo na Hungria, a ascensão do autoritarismo na
Alemanha, na Andaluzia e – oh céus! – o regresso do maquiavelismo militarizado
que amanhã será entronizado no Brasil. E mesmo sob a bandeira republicana
verde-rubra, vão-se infiltrando no corpo social, como enguias entre os seixos,
as promessas não cumpridas, os ditos-por não-ditos, os trapezistas
invertebrados, enfim, os charlatães. Sem esquecer as contorções internas cá do
burgo por parte de quem não lhe doi, nem um pico, a arte de branquear factos e
autores cuja negritude deveria fazê-los cobrir de vergonha. Ou até a espantoso
e cega obsessão de trazer para protagonistas de cena aqueles que foram corridos de dentro de casa e
agora voltam impantes, perdoados, canonizados por quem os amaldiçoou e os apeou
sem apelo nem agravo. Francamente, já não sei de que terra sou, Nem me reconheço
sequer!
Preferia
ter cantado loas ou, como nas liturgias que roçam a charlataria, ter pago um
sumptuoso Te-Deum ao ano de 2018.
Seria contra a verdade dos factos. Seria engordar a repugnante massa dos
aprendizes de feiticeiro da feira, que Moisés Naim condena nestes termos: “Chegámos
a esta lamentável realidade: os seguidores (por acção ou omissão, acrescento eu)
dos charlatães são tanto ou mais culpados que eles, pois que levam a sociedade
a apoiar más ideias, eleger maus governantes ou acreditar nas suas mentiras”.
31-Dez-18
Martins Júnior
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