Não
é uma tese nem sombra dela o que me proponho apresentar. Aliás, é assunto que
estava longe de abordar, porque para fazê-lo cabalmente teria de desenterrar
arquétipos, mitos e concepções desde que o ser humano pôs pé neste planeta.
Permitam-me ajuntar mais um outro empecilho, este colhido no piropo de um amigo
meu que costuma dizer: “Há quatro coisas que eu não discuto com ninguém - Futebol, Política, Religião e… Mulheres”.
E
vejam a rifa que hoje me saiu: Religião e Mulheres. E porquê?... Pela estranha (ou
pouco conhecida) efeméride que neste
dia, 25 de Março, dá pelo pomposo nome: “Dia de orar pela Ordenação de Mulheres
na Igreja Católica”. Por outras palavras: orar, pedir para que as mulheres possam
exercer as funções de padres, chamando-se, elas-mesmas, sacerdotes ou, mais
propriamente, sacerdotisas.
Devo
confessar abertamente que não acho uma tão contraditória, ridícula e falaciosa
proposta como essa: orar, pedir para que a Mulher receba o sacramento da Ordem
Sacerdotal.
Orar,
pedir… a quem? E quem é que nos manda pedir?... Mais: quem é o correio ou
estafeta do nosso pedido para que ele chegue ao seu destinatário?... Naturalmente
ora-se, pede-se a Deus, Todo Poderoso
Quem nos aconselha a fazer o pedido será, também naturalmente, a
religião, a Igreja. O correio ou o portador do pedido é, naturalissimamente, a
mesma entidade, ou seja, a religião, neste caso, o trono-altar em que se senta
o Vaticano.
Oh
insensatos, originariamente dotados de senso, que somos nós! Fernando Pessoa
equaciona a lógica poética quando diz: “Deus
quer, o Homem sonha, a Obra nasce”! Mas
no caso vertente, perverte-se toda a razão lógica, porque: Deus
quer, o Vaticano proíbe, a Obra morre.
Em vez do consenso, aborta tudo no contra-senso: a Igreja que aconselha a pedir
e o Vaticano-caixa-de-correio gritam, em uníssono e a mil guelras, desde o
fundo dos séculos: “Vade retro, Sátanas”! Desapareça o satanás que avance com
tal requerimento! Nesta arena ou neste conflito de competências, o Vaticano
manda mais do que Deus. Paradoxo insanável: Deus fica a perder, sempre. Então
digam-me agora se não será o “25 de Março” a tal farsa – contraditória,
falaciosa e. no todo, ridícula?
Eu
disse que hoje não vinha elaborar tese. Entretanto, só duas ou três notas:
Como
convencer a Igreja da bondade e da razoabilidade da proposta, quando desde as
primeiras páginas do “Livro”, a Mulher foi sempre inferiorizada, diabolizada,
culpada de tudo, até da maldição de toda a humanidade, só porque provou um naco
da maçã proibida?!... No século quando uma jovem francesa de 19 anos liderou a
luta pela defesa do seu povo contra o invasor estrangeiro, a sentença dos
bispos reunidos foi “exemplar”: queimar publicamente na fogueira Joana d’Arc.
No
âmbito dogmático-sacramental, o carácter nuclear do Sacerdócio e o seu conteúdo
funcional específico está no momento da “Trans-substanciação operada pela
Consagração do Pão e do Vinho na Eucaristia”. E, com o direito que assiste a
qualquer ser pensante, pergunto: a Trans-substanciação terá sexo?...
Respondam-me os teólogos, os biblistas, os liturgistas. E não esqueçam os
antropólogos, os hermeneutas e afins.
O recurso à analogia histórica (mas não tão
sólida como a fazem) de que Cristo só escolheu homens para seus apóstolos ou
colaboradores mais próximos, esfarela-se com uma linear constatação: se nos
dias que correm ainda subsiste o estigma de que “onde está a cabeça (o homem)
os pés (as mulheres) não mandam”, quanto
mais há dois mil anos, numa sociedade visceralmente patriarcal e machista, como
eram a idiossincrasia e a religião judaicas!... É preciso ser-se muito
anacrónico e retardatário para não ver a realidade factual de cada civilização
e respectiva evolução. Muito vantajosa será, neste item, uma releitura dos
Evangelhos, dos Actos e das Cartas Apostólicas.
Retomando
as considerações exaradas no escrito anterior (23.03.19) a solução não está no
exclusivo acto de orar ou pedir, mas antes no agir. Valorizem-se, por si
próprias, as mulheres. Promovam-se a pulso e com brio, sem esperar a “esmola”
das quotas. Já agora, com que suspensão ou excomunhão seria punido quem propusesse
ao Vaticano um regime de quotas para as mulheres, a nível de ordenações,
paróquias ou dicastérios romanos?!
Quase finalmente, atrevo-me a dizer que
reduzir a altíssima dimensão da espiritualidade e o plano libertador de Cristo
ao simples tracejado da condição sexual é, no mínimo, defraudador, senão mesmo
sacrílego. Nesse código, em vez de teologia estudar-se-ia sexologia…
Agora,
mesmo finalmente, ouso terminar, não com uma cereja em cima do bolo, mas com um
pingo de vinagre corrosivo e, ao mesmo tempo, estruturalmente construtivo, que
resumo nestes termos: Para alistar-se
num regimento religioso como aquele que por aí prolifera e vegeta, à base de
devocionismos pietistas, procissões populistas e similares – não vale a pena, distintas
senhoras, orar pela vossa ordenação. Mereceis muito mais! E a Religião também!
25.Mar.19
Martins Júnior
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