quarta-feira, 13 de março de 2019

UMA CULTURA DOS “600”


                                                    

Elas – e eles -  por aí andam vagantes, ansiosas por  cair nos braços de quem as tome. Elas – são as comemorações, as reincarnações sazonais. Eles são os festejos, os programas, quanto mais campanudos melhor. O importante é o rufar dos tambores esmaltado com o estridor das cornetas. E marchar, marchar!...
Neste 2019 é o que está a dar. Aqui é o aniversário do clube, acolá a década do machete, mais adiante os dois lustros e meio da associação. E, ‘acima de tudo’, os 600 anos. Parafraseando o badalado “Je suis Hebdo”, também na testa de cada madeirense teimam em por lá o carimbo obrigatório: Queiras ou não queiras, tens de ser “600”!
Excepcionalmente, hoje sigo o método indutivo. Vou passar do particular para o universal. Foi esclarecedor acompanhar, via ‘media’, o debate no parlamento regional sobre a Cultura. E a Cultura ali não tinha outra cara senão a do “600”. Deixem-me respirar para esquecer certos remoques sem ponta de chiste, como “Sr. presidente, vou-lhe dizer uma coisa…” ou esta pasmaceira” ou ainda “lume nas patas” (sic!) e outros que tais, inclusive “O sr. deputado tropeçou no vinho e caiu dentro da levada”. Alta cultura e não menos alta costura para vestir Sua Excelência “o 600”!
Passando ao largo destes ridículos baixios, o único e necessário não será montar os cavalos dos capitães donatários, nem erguer-lhes mais uma estátua morta, nem muito menos esbaforir rajadas quixotescas para agitar moinhos de vento nas barbas de Zargo ou Tristão. Como já ouvi, fora do parlamento, o importante é “fazer algo que dure e perdure”. E o que melhor pode “durar e perdurar” são os valores inerentes a cada século e a cada geração, o que implica conhecê-los, mesmo que em contra-luz, e reinterpretá-los na era que nos foi dado ocupar. Seria útil e meritório desdobrar as pregas da história, expô-las com toda a dignidade e transparência, levá-las à visibilidade plena das suas consequências – o mundo que “eles” nos legaram - e recomeçar a epopeia dos nossos ancestrais. Que se não pare a marcha dos 600 anos, amarrando-lhe os pés à barra dos 500, como malogradamente – e desonestamente - fizeram aos “500 anos da Diocese” em 2014, em que 100 anos foram prática e estrategicamente obliterados. Que não fiquem outra vez na tumba do esquecimento ou nas meias-águas da indefinição pessoas e factos que todos os dias redescobriram a Ilha e a povoaram de ideais maiores “que  permitia a força humana”.
Descendo, de novo, ao particular, seja-me permitido acentuar tanto quanto possível a fidelidade histórica, situando o epicentro das comemorações em Machico, Primeira Capitania, em Carta outorgada a 8 de Maio de 1440. Que a insularidade  - a “Madeiridade”, essência do madeirense – não nos impeça de abrir-nos à globalidade. Mas que, em permuta, a globalidade não nos dissolva na amálgama do gregarismo e, muito menos, nos ampute do melhor que ficou e ficará dos 600 anos: a nossa identidade.

13.Mar.19
Martins Júnior

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