Podia
começar este breve apontamento, evocando a
velha canção de João Maria Tudela “E tudo é Kanimambo”, inspirada no folclore moçambicano.
“E tudo é carnaval”, podemos assim fazer uma trupe representativa de todas as
outras que há por esse mundo fora. E tudo é carnaval!... Cada qual procura o
seu. Sábado passado, logo três – três carnavais puseram Portugal em alvoroço,
de lés a lés: a norte, o perigoso tropel das hostes portistas-benfiquistas num
desfile de alto risco., que galvanizou milhões de adeptos. A sul, a apoteose do
Festival da Canção em surpreendente corso que siderou milhares de fãs. E, por
último, o Rio de Janeiro inundando as
avenidas do Funchal para milhares de milhões em todo o mundo. É caso para
confirmar: cada qual, seu carnaval. Porque tudo é carnaval.
Não
esperava chegar a esta circunstância peculiar de organizar uma trupe de
parágrafos nesta terça-feira de carnaval. Mas o facto é que estamos diante de
uma realidade incontornável. Os corsos carnavalescos vieram para ficar. E é ver
a azáfama, o empenho, a generosidade sem limites de uma multidão de voluntários
que, nos bastidores do “teatro das operações”, dão corpo e alma para que a sua
trupe seja a maior. E nisto vai a grande medalha de ouro para todos os foliões,
do maior ao mais pequeno. Paralelamente, porém, a esta qualificação comunitária
do carnaval, junta-se-lhe também todo um sistema de válvulas orgânicas e
psicológicas que produzem esse néctar relaxante chamado catarse global.
No
entanto, mandam as balizas da visibilidade crítica (no sentido mais positivo da
expressão) olhar e “ver” a singularidade de certos estilos carnavalescos. Falo
da singularidade (da que há e da que não há) enquanto originalidade criativa,
representativa da terra e do povo onde se desenvolvem os desfiles. Neste
âmbito, o que mais se ouve dizer acerca do corso carnavalesco do Funchal é que,
não obstante a sumptuosidade e a opulência do guarda-fato, pouco de original
brilhou pelas ruas da cidade, mais parecendo um enorme tatuagem do sambódromo
do Rio transposto para a estreiteza do Funchal. A indumentária (ou a falta
dela), a plumagem maciça em todos os grupos, as repetidas coreografias, enfim,
e a música – ai, o massacre das mesmas vozes cariocas, o plágio sem pudor dos
mesmos temas brasileiros. Seria caso
para um sugestivo cartaz turístico: “Quer ver o carnaval do Brasil? Então não
pegue o avião, tem-no aqui à sua porta”!
E
o mais confrangedor (e talvez abusivo) é o já roído carimbo de 2019: os “600 Anos”. Em tudo quanto aparece à
tona de água, - seja mato ou seja gente - prega-se-lhe logo o selo oficial do baptismo: “600 Anos”. O imponente cortejo do Funchal, nos moldes em
que foi concebido, seria sempre o mesmo, acontecessem ou não nos seis séculos
do Achamento da Ilha”. A bem da verdade, requerer-se-ia maior criatividade
autónoma, marca Madeira.
Esse toque de verdade local é nas
zonas extra-Funchal, mais exactamente nas periferias, que encontra o seu habitat inspirador. E viu-se, nalguns
casos, em que foi o povo da terra o protagonista do seu carnaval. Não eram
vedetas (importadas, a peso de ouro), mas identificava-se bem a força telúrica,
a entrega anímica, a alegria transparente no rosto de novos e idosos que
desfilavam sem complexos. Um carnaval assim cumpre o seu lugar: descomprimir o
ambiente e libertar as pessoas. É por isso que se põe em causa a participação
das trupes da capital nos restantes concelhos e freguesias da Madeira. Se, por
um lado, deixam nota excelente pelo brilho da indumentária e pela perfeição
artística de uma coreografia profissional, por outro subalternizam os grupos locais que não se pouparam a esforços, dia e
noite, para brindar com galhardia carnavalesca a população residente. Finalmente
– e outra vez – a música. Chega a indispor o mais incauto observador ter de suportar
a “brasileirada batucada” (aqui pode usar-se o termo preciso, uma overdose), que lhe fura os tímpanos, de
cada vez que passa uma trupe. Se me fosse permitido, ousaria propor aos patrocinadores que,
de futuro, não massacrem mais o público com estafadas canções de fora, que já são sobejamente conhecidas. Em seu
lugar, estimulem os organizadores à criação de músicas originais (assim se faz
em Machico) que traduzam a autêntica cultura regional para que o nosso carnaval
divirta, eduque e faça surgir os talentos que por aí andam e assim se reforce e
engrandeça o “Carnaval, Marca Madeira”!
05.Mar.19
Martins Júnior
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