quarta-feira, 27 de março de 2019

A DIVA E O MONSTRO ANÃO – A NOVELA DA “NOSSA” VERGONHA


                                                      

Eu sei que daria para Homero reescrever a Odisseia, mas outra – trágica, medonha, suicidária. Eu sei que Dante reformularia a sua “Comédia” – já não “Divina”, mas satânica, infernal. Daria também para Picasso reinventar a monumental “Guernica” – mas a cores e dores esquizofrénicas, descomunais, impossíveis de olhar.
Por isso, se alguém ler o caso e a letra, apague-os do seu ‘écran’, destrua e esqueça. Mas o caso é de todos os dias. E a letra também:
Na mesma arena ou na mesma selva, frente a frente desafiam-se, de um lado a Diva, imperturbável e bela. Do outro, o pigmeu, com armadura de monstro. Diva, Imensa, Inacessível no seu eixo invisível – a Natureza. Pigmeu – o humano batráquio, seu provisório inquilino. Nascido para ser rei soberano, tornou-se monstrozinho do charco. Na marcha silenciosa que lhe foi imposta, a Diva Natura abre caminho, avança, esbraceja e instintivamente arrasa obstáculos para, depois, reanimar tudo à sua volta. O pigmeu também investe e sabe que o faz assumidamente, arremessa-se armado em besta, rivaliza e encarniçadamente põe tudo em cinza morta. A Mãe Diva lamenta e chora o rasto que deixou, mas promete nova vida na próxima primavera. O pigmeu regurgita de raiva e fogo. E promete mais praga e destruição, ufano de outros monstros que deitou do bucho para fora.
Um quadro, uma tragédia de esquecer!
Por outras palavras: os ‘tsunamis’, as erupções vulcânicas, os terra-maremotos, as recentes cheias de Moçambique (acompanhei-as, idênticas ‘in loco’, no ano 2000), trouxe-as inelutavelmente a Natureza no seu movimento sucessório. Mas a destruição no Iraque, as fomes na Venezuela, as ruinas na Síria, os crimes de guerra no Centro-África, enfim, Hiroshima, Nagazaki – isso e muito mais foi o pigmeu, monstro do charco, foi o homem quem o fez. E, nele, fomos nós todos que o fizemos.
Perante o (des)composto humano e para ver estas monstruosidades, talvez tenha razão Antero de Quental quando, ao constatar o desconcerto do mundo, desabafou amargurado: “E sempre o pior mal é ter nascido”. Antes dele, já o Mestre da Galileia dissera para Judas, sentado à mesma mesa: “Melhor fora  que nunca tivesses nascido”. Perdoe-me quem  lê, mas nesta hora não resisto ao pessimismo rasteiro de Shopenhauer: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”. Esses, os da guerra. Esses, os pigmeus facínoras, donos do mundo.
E concluo no mesmo tom: talvez fosse melhor não ter escrito isto. Mas hoje foi assim. E não apenas hoje. Todos os dias e todas as horas em que vejo o homem-minúsculo a rivalizar, em destruição, com os poderes astrais.
Amanhã será melhor. Se cada um de nós quiser.

27.Mar.19
Martins Júnior
           

Sem comentários:

Enviar um comentário