Eu
sei que daria para Homero reescrever a Odisseia, mas outra – trágica, medonha,
suicidária. Eu sei que Dante reformularia a sua “Comédia” – já não “Divina”,
mas satânica, infernal. Daria também para Picasso reinventar a monumental “Guernica”
– mas a cores e dores esquizofrénicas, descomunais, impossíveis de olhar.
Por
isso, se alguém ler o caso e a letra, apague-os do seu ‘écran’, destrua e
esqueça. Mas o caso é de todos os dias. E a letra também:
Na
mesma arena ou na mesma selva, frente a frente desafiam-se, de um lado a Diva,
imperturbável e bela. Do outro, o pigmeu, com armadura de monstro. Diva,
Imensa, Inacessível no seu eixo invisível – a Natureza. Pigmeu – o humano
batráquio, seu provisório inquilino. Nascido para ser rei soberano, tornou-se
monstrozinho do charco. Na marcha silenciosa que lhe foi imposta, a Diva Natura
abre caminho, avança, esbraceja e instintivamente arrasa obstáculos para,
depois, reanimar tudo à sua volta. O pigmeu também investe e sabe que o faz
assumidamente, arremessa-se armado em besta, rivaliza e encarniçadamente põe
tudo em cinza morta. A Mãe Diva lamenta e chora o rasto que deixou, mas promete
nova vida na próxima primavera. O pigmeu regurgita de raiva e fogo. E promete
mais praga e destruição, ufano de outros monstros que deitou do bucho para
fora.
Um
quadro, uma tragédia de esquecer!
Por
outras palavras: os ‘tsunamis’, as erupções vulcânicas, os terra-maremotos, as
recentes cheias de Moçambique (acompanhei-as, idênticas ‘in loco’, no ano
2000), trouxe-as inelutavelmente a Natureza no seu movimento sucessório. Mas a
destruição no Iraque, as fomes na Venezuela, as ruinas na Síria, os crimes de
guerra no Centro-África, enfim, Hiroshima, Nagazaki – isso e muito mais foi o
pigmeu, monstro do charco, foi o homem quem o fez. E, nele, fomos nós todos que
o fizemos.
Perante
o (des)composto humano e para ver estas monstruosidades, talvez tenha razão
Antero de Quental quando, ao constatar o desconcerto do mundo, desabafou amargurado:
“E sempre o pior mal é ter nascido”. Antes dele, já o Mestre da Galileia dissera
para Judas, sentado à mesma mesa: “Melhor fora que nunca tivesses nascido”. Perdoe-me quem lê, mas nesta hora não resisto ao pessimismo
rasteiro de Shopenhauer: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”.
Esses, os da guerra. Esses, os pigmeus facínoras, donos do mundo.
E
concluo no mesmo tom: talvez fosse melhor não ter escrito isto. Mas hoje foi
assim. E não apenas hoje. Todos os dias e todas as horas em que vejo o
homem-minúsculo a rivalizar, em destruição, com os poderes astrais.
Amanhã
será melhor. Se cada um de nós quiser.
27.Mar.19
Martins Júnior
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