Podem
chamar-lhe de persianas abertas para deixar passar a luz serena de um perfume
de mulher. Podem também atribuir-lhe a graça de um poema sem rima nem métrica
ou prosa ligeira nas margens da água corrente. Mas o que hoje quero deixar neste
chão é a imagem de duas enormes tochas
acesas na ara branca onde se adora a deusa primeira – a essência feminina. No
dia 7 recorri à mitologia pagã, erguendo ao alto a excelsa “Vénus”, tão
diabolizada pelos avatares crapulosos sem vislumbre. Hoje, bato às portas milenares
de Sião para exaltar as mulheres de Jerusalém, de pele morena e olhos doces,
mas penetrantes como feixes reluzentes, aquelas
mulheres que se apaixonaram pelo Nazareno e nunca mais o deixaram, presas que
estavam da sua palavra, do seu afecto e da sua acção.
Com esta tocha acesa pretendo esconjurar os
fantasmas que amarraram, durante séculos, milénios, a Mulher - explorada pelos semeadores
das trevas, vilipendiada pelos guardas do Templo. Quanto daria eu, talvez a
própria vida, para ver o Nazareno deambulando pelas ruas de Jerusalém, dirigindo-se
às mulheres, suas vizinhas e companheiras de jornada, dialogando com elas, até
com prostitutas, para depois discutir com os mafiosos doutores da Lei, os
fariseus, acerca das mulheres, apostrofando contra os puritanos hipócritas da
Grande Sinagoga e escrevendo na areia dos caminhos os vícios pútridos daqueles
que exigiam o apedrejamento da mulher acusada de adultério. O nosso Mestre não
se acobardava nas malhas do silêncio, antes fazia garbo em provocar
ostensivamente os imbecis moralistas da cidade. E voltava a acompanhar com
elas, suas amigas e colaboradoras, a mais notória das quais Maria de Mágdala.
Mas uma circunstância impressiva
incitou-me a acender esta tocha para o Dia da Mulher, ontem rememorado. É que
ontem, 8 de Março, primeira sexta-feira do tempo chamado Quaresma, foi também o
primeiro dia comemorativo da tragédia que levou ao assassinato do Mestre, ou
seja, o percurso do Caminho da Cruz, vulgarmente dito “Via-Sacra” – outro horrendo
episódio tão manipulado pelos fabricantes de mitos depressivos.
Foi aí, no trajecto das ruas da cidade
até ao lugar do patíbulo, aí é que se viu a supremacia da Mulher – das mulheres,
suas amigas e colaboradoras, que arrancaram do peito energias indomáveis para
afrontar as iníquas sentenças do poder politico e religioso, quando saíram à
rua e, por diversas formas, manifestaram o seu apoio à Vítima Inocente,
acompanhando-a até ao fim. Primeiro a sua Mãe, Maria, que correu ao encontro do
Filho, maltratado pelos “jagunços” a soldo dos poderosos. É a IV Estação. A
seguir, na VI, é a vez daquela, depois chamada Verónica, uma rapariga que não
suporta o rosto de Jesus, todo desfigurado por uma noite de tortura na cadeia e
uma degradante manhã de toda a espécie
de agressões. Sem medo da guarda pretoriana, ela fura o cordão militar de segurança
e vai até junto do Mestre, desdobra uma
toalha de linho e restitui-lhe o brilho original do rosto. É a VI Estação. Mais
adiante, são muitas as esposas e mães que manifestam com o seu pranto a
solidariedade ao seu Amigo e Defensor. É a VIII Estação. Quando, enfim, suspenso no madeiro, quem lá
está, como testemunhas, estátuas da dor, alanceadas mas vigilantes? As
mulheres, acompanhadas do discípulo mais jovem, João. É a XII Estação. E na XIV
e última, ao descê-lo da cruz, quem o
recebe nos braços, já cadáver? Uma mulher, sempre. A sua Mãe. Onde estariam os “fiéis”
apóstolos?... Fugiram, transidos de medo. Fortes, firmes, inabaláveis – só as
mulheres!
E, nos termos da narrativa bíblica, quando
o Mestre quis anunciar o triunfo sobre a
morte, não foi um anjo, não foi um dos Doze, não foi um emissário credenciado
que escolheu para levar a mensagem. Quem, então?... Uma mulher, Maria de Mágdala.
Sempre a Mulher, na vanguarda!
O nosso Líder-Cristo há-de ficar no
Grande Atlas das Civilizações como o protótipo, o primeiro e único protagonista religioso que colocou a Mulher na
vértice da História, co-Criadora do Mundo e Princípio Activo da transformação
humana. Daí, o respeito e a defesa intemerata do estatuto da Mulher. Aprendam “agora,
ó sábios da Escritura”! - diria Luís Vaz de Camões (CantoV, 22).
Aqui fica o meu preito de homenagem,
com “Vénus bela” e a Mulher de Jerusalém – todas as mulheres judias, todas as
mulheres do Mundo. Entre 7 e 9 de Março, duas tochas eternamente acesas no
altar da Essência de Mulher”!
09.Mar.19
Martins Júnior
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