Não
é hipérbole, não. Nem muito menos exaltação megalómana de meio século marcado com a nossa chancela. É a constatação empírica
de que cada geração vive o seu tempo histórico, pessoal e colectivo, intransmissível
naquilo que possui de responsabilidade e acção. Sim, estes 50 anos revelaram a
pujança de uma geração que “não comeu o pão de ninguém”, bem ao contrário,
semeou o trigo, arroteou os socalcos, recolheu as espigas, moeu-as com dor e
amor, cozeu o pão e, finalmente, pôs a
mesa e os talheres para que hoje todos pudessem saborear a ementa da Liberdade
que a cada ser humano pertence, como direito inalienável.
Foi
este o respiro largo e livre que viveram os semeadores de cravos impossíveis no
húmus de onde nasceu e cresceu a “Carta A Um Governador”, entregue em 1969 ao titular
residente nesta mesmo terreiro, o Palácio de São Lourenço, coronel Brancamp
Sobral.
Cumpriu-se
a esperança! Sábado, 16 de Março 2019!
O
que se passou nessa tarde sabatina, dentro daquelas paredes onde antes (e,
paradoxalmente, depois) de Abril/74 esteve amordaçada a democracia e agredido o
povo ilhéu, o que se viveu ali cabe no sintético binómio: Saudade e catarse.
Momento
de saudade, por rever lado a lado os que cá estão e fazer reincarnar os que partiram para a
viagem sem retorno. Segurarmo-nos pela mão e pelo coração, sacudir 50 anos de
rugas e escamas que se colaram à epiderme do quotidiano da gente. Aos
promotores da famosa “Carta” – jovens
eram na altura, alados, sonhadores como “Quixotes” do tempo futuro e, como
Vieira e Bandarra, cantautores do “Quinto
Império” da Liberdade – que bálsamo vê-los ali, curvados de ombros mas erectos
de alma, contando os medos de então, as ameaças de que foram vítimas, as
famílias visadas e perseguidas, enfim, a dolorosa “Via Crucis” até alcançar o pico alto
onde hoje moramos e queremos manter como legado aos próximos inquilinos deste
planeta insular.
Momento,
também, de catarse, enquanto higiene existencial, mental e sobretudo
político-social, que nos faz balancear entre dois estados: antes, o fascismo uniu-nos
num só e mesmo combate. Depois, a liberdade desuniu-nos. Não quanto aos
diferentes caminhos e distintas estratégias de luta, o que é uma conquista de
maior valia, mas no volume da entrega, no despojamento total, na mística sem
limite que animava a geração dos “Cartistas” de há 50 anos. É urgente e é
premente que tal impulso altruísta e mobilizador floresça inter-grupos e,
atenção máxima, intra-grupos, que os leve a lutar pela Causa Comum e não pelas
benesses furtivas do interesse pessoal ou de clã. Porque gladiadores,
combatentes e condutores das massas sempre os houve e em todos os tempos. Mas
genuínos e consequentes foram os que, purificando o seu olhar interior,
esqueceram-se de si mesmos e “abriram ao país as portas dos Abris” de então: em 1383-1385, em 1640, em 1820, em 1910, em 1974! … E,
nesta data,os valorosos subscritores de 1969.
Valeu
a pena.
Imenso
e largo oceano foram os 600 anos. Mas decisivo, porém, e maior para esta geração foram os 50, gloriosos
precursores do 25 de Abril de 1974.
O
novo e outro Abril é connosco, já. E amanhã será com os que guardarem hoje o
ânimo da “Carta” de 1969.
17.Mar.19
Martins Júnior
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