domingo, 17 de março de 2019

50 ANOS – MAIORES QUE 600!


                                                        

Não é hipérbole, não. Nem muito menos exaltação megalómana de meio século marcado  com a nossa chancela. É a constatação empírica de que cada geração vive o seu tempo histórico, pessoal e colectivo, intransmissível naquilo que possui de responsabilidade e acção. Sim, estes 50 anos revelaram a pujança de uma geração que “não comeu o pão de ninguém”, bem ao contrário, semeou o trigo, arroteou os socalcos, recolheu as espigas, moeu-as com dor e amor, cozeu o pão e, finalmente,  pôs a mesa e os talheres para que hoje todos pudessem saborear a ementa da Liberdade que a cada ser humano pertence, como direito inalienável.
Foi este o respiro largo e livre que viveram os semeadores de cravos impossíveis no húmus de onde nasceu e cresceu a “Carta A  Um Governador”, entregue em 1969 ao titular residente nesta mesmo terreiro, o Palácio de São Lourenço, coronel Brancamp Sobral.
Cumpriu-se a esperança! Sábado, 16 de Março 2019!
O que se passou nessa tarde sabatina, dentro daquelas paredes onde antes (e, paradoxalmente, depois) de Abril/74 esteve amordaçada a democracia e agredido o povo ilhéu, o que se viveu ali cabe no sintético binómio: Saudade e catarse.
Momento de saudade, por rever lado a lado os que cá estão  e fazer reincarnar os que partiram para a viagem sem retorno. Segurarmo-nos pela mão e pelo coração, sacudir 50 anos de rugas e escamas que se colaram à epiderme do quotidiano da gente. Aos promotores da famosa “Carta” –  jovens eram na altura, alados, sonhadores como “Quixotes” do tempo futuro e, como Vieira e Bandarra, cantautores  do “Quinto Império” da Liberdade – que bálsamo vê-los ali, curvados de ombros mas erectos de alma, contando os medos de então, as ameaças de que foram vítimas, as famílias visadas e perseguidas, enfim, a  dolorosa “Via Crucis” até alcançar o pico alto onde hoje moramos e queremos manter como legado aos próximos inquilinos deste planeta insular.
Momento, também, de catarse, enquanto higiene existencial, mental e sobretudo político-social, que nos faz balancear entre dois estados: antes, o fascismo uniu-nos num só e mesmo combate. Depois, a liberdade desuniu-nos. Não quanto aos diferentes caminhos e distintas estratégias de luta, o que é uma conquista de maior valia, mas no volume da entrega, no despojamento total, na mística sem limite que animava a geração dos “Cartistas” de há 50 anos. É urgente e é premente que tal impulso altruísta e mobilizador floresça inter-grupos e, atenção máxima, intra-grupos, que os leve a lutar pela Causa Comum e não pelas benesses furtivas do interesse pessoal ou de clã. Porque gladiadores, combatentes e condutores das massas sempre os houve e em todos os tempos. Mas genuínos e consequentes foram os que, purificando o seu olhar interior, esqueceram-se de si mesmos e “abriram ao país as portas dos  Abris” de então: em 1383-1385,  em 1640, em 1820, em 1910, em 1974! … E, nesta data,os valorosos subscritores de 1969.
Valeu a pena.
Imenso e largo oceano foram os 600 anos. Mas decisivo, porém,  e maior para esta geração foram os 50, gloriosos precursores do 25 de Abril de 1974.
O novo e outro Abril é connosco, já. E amanhã será com os que guardarem hoje o ânimo da “Carta” de 1969.

17.Mar.19
Martins Júnior      
  


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