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Sabes, no fim do teu discurso, o Senhor Bispo perguntou-me: “Quem é aquele
rapaz que falou da “Vénus” de Milo?... Preciso sabê-lo. Sigam-lhe os passos e mais
tarde informem-me se estará apto à Ordenação”.
Aconteceu
num dia como este, 7 de Março de 1957. Tinha eu 17 anos. Era a Festa Solene da
Filosofia, o dia dedicado ao grande autor da Summa Theologica, Tomás de Aquino. Os nossos mestres filósofos
indigitavam um aluno de cada ano de Filosofia para apresentar um trabalho escrito
na não menos solene sessão, perante todo
o corpo docente e discente, sob a presidência do velho bispo D. António Manuel
Pereira Ribeiro. Coube-me, nesse ano, a
incumbência de subir à tribuna do Salão Nobre do Seminário da Encarnação,
Funchal para, em representação dos alunos de Filosofia, fazer o panegírico de
São Tomás de Aquino, a quem cognominei de “Poeta-Filósofo”, que o foi de
verdade. Entre outros conceitos desenvolvidos, citei Fernando Pessoa: “O
binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”. Tanto bastou para, no fim da sessão, ser
chamado ao gabinete do meu Professor Pe. Dr. Abel Augusto da Silva, e escutar obedientemente
a repreensão do prelado madeirense, reproduzida no primeiro parágrafo deste escrito.
Começou
aí o meu percurso, inteiramente assumido, para entender o fenómeno Mulher, a
sua grandeza e o seu estatuto ao longo da história humana. Percebi que a
censura do velho bispo mais não era que o padrão doutrinal e dogmático da
Igreja, mais cirurgicamente da Religião, face à Mulher e à sua diabolização,
transmitido aos futuros ministros eclesiásticos, pregadores e supostamente
pedagogos do povo crente. Desde a primeira página da Bíblia, em que a Mulher
valia apenas uma costela do macho-homem, até Paulo Apóstolo que, entre outros “mimos”
disciplinares estatuía um delicado normativo que peremptoriamente promulgava: “As
mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar…E se
quiserem aprender alguma coisa, perguntem em casa aos maridos, porque é uma coisa
indecente o falar as mulheres na igreja” – desde sempre, conclui-se, os sequazes da religião do Livro – cristãos,
judeus e maometanos – sempre subalternizaram e, nalguns casos, condenaram a
Mulher na praça pública à mais ignominiosa sentença de morte, amputando-lhe os
mais elementares direitos humanos.
Compete
à sociedade contrariar e corrigir os insustentáveis comandos bíblicos,
absolutamente anti-humanos e contra-natura, os quais ainda persistem como
ancestrais arquétipos da práxis social, Felizmente tem-se constatado esse
esforço, de século para século, de década para década e, até, de ano para ano.
Compete à Mulher conquistar o seu lugar ao sol, como gloriosamente tem
sucedido, não apenas pela esmola legislativa das “quotas” disponíveis,, mas
pelo talento e pela força intrínseca do ADN feminino, Não obstante, as trágicas
barbaridades ultimamente cometidas, é facto indesmentível que a Mulher tem
alcançado, a pulso, o pódio das competências intelectuais e sociais, de que é
paradigma exemplar a entrada para as magistraturas judiciais: de 10 ingressos,
2 são homens, 8 são mulheres. Por este andar, tenho para mim que um dia chegará
em que um novo e outro sistema – o Matriarcado, um outro e novo Matriarcado –
suplantará o corpulento e anquilosado regime do Patriarcado que ainda perdura
no tempo. Então será o tempo do equilíbrio e do abraço inter-géneros. Aí,
ombreando lado na lado, na ciência, na justiça, no “salário igual para trabalho
igual”, homens e mulheres aprenderão o código da mais genesíaca
complementaridade, sem a qual nunca haverá vida plena e mundo habitável. É
nessa data que todos os juízes, todos os tribunais de família, todos os
advogados e meirinhos seguirão as mesmas pegadas e o mesmo exílio austeritário
e deprimente de todos os “Netos de Moura” que ainda vegetam por esse mundo.
Será também o tempo em que nenhum bispo, deformado e sorumbático,
baixar-se-á à pidesca tentação de perseguir alguém que ame
e apregoe a beleza de todas as “Vénus” de Milo que se erguem, benfazejas,
diante do nosso olhar transparente, porque desinibido e limpo de traumas hereditários,
sejam eles bíblicos ou satânicos.
Entre
7 e 8 de Março, quero ultrapassar, nem que seja momentaneamente, o empedrado
onde corre o sangue das violências domésticas e subir mais acima e mais além
para colocar num trono real e num altar quase divino a majestosa e bela Essência de Mulher!
07.Mar.19
Martins Júnior
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