Devo
confessar que não esperava dedicar o qualitativo de “Dia Ímpar” àquilo que o não é. E se o for,
sê-lo-á pelos mais frágeis argumentos. Sei que corro o risco de, hoje por hoje,
contrariar a identidade deste “Senso&Consenso” pelo seu antónimo: “Senso&Contrassenso”.
Isto, porque tudo quanto vou dizer é tão
válido como o seu contrário. Paradoxo. Mas certo. Tudo depende, como já o
reconheci no dia 29 de Junho, da encosta ou do outeiro onde cada qual coloca a
objectiva para melhor interpretar a
imagem envolvente.
Falo
do fastio que me causou essa requentada ementa que nos serviram as TV´s na
longa tarde de hoje e que deu pelo pomposo nome de “Transladação de Eusébio da
Silva Ferreira (ESF)para o Panteão Nacional.”. Foi tudo um formalismo seco, de
gravatas polvilhadas, mais parecendo um “frete” sem retorno, a começar pelos
próprios ocupantes da casa-mãe que deitou ao mundo o sobrenome de tão ditoso
filho: a Assembleia da República, Dos 230 deputados que euforicamente aprovaram
a proposta, só 50 é que puseram os pés, como almas penadas, envergonhadas,
alguns até escondidos atrás das grossas colunas no cimo da monumental escadaria,
lobrigando a “banda passar”, a trote de cavalaria rusticana.
Só
posso interpretar correctamente o caso, se ponderar numa das mãos a carga
semântica do pódio chamado “Panteão” e na outra o peso estrutural dos felizes
predestinados ao Olimpo dos Deuses.
Adianta-se,
desde logo, o argumento que ESF foi o “Rei” da monarquia futebolística. Mas por aí, até o agora Verde Jesus bem
poderia, com o sua ruiva juba, levar ao
alto “os cinco violinos de Alvalade”, Jesus Correia, Vasques, Peyroteo,
Travassos e Albano. Com maioria de razão, porque o valor colectivo destes
heróis suplanta a distinção individualista de um só homem, que é o mesmo que um
homem só.
Depois, diz-se que ESF tornou
Portugal conhecido no mundo. E eu pergunto: quais os valores substantivos e
duráveis que daí verteram para o país? Também no mais primitivo tugúrio do
mundo, seja na China, seja na Indonésia, o que de Portugal conhecem é o nosso Ronaldo.
E que proventos navegam para cá, a não ser os magnatas asiáticos, exploradores
de mão-se-obra miserável, vêm a galope rapar o melhor que temos, porque
cheirou-lhes um governo que vende ao desbarato aquilo que não é seu, mas de todos
os portugueses.
Mais:
ESF, dizem, deu imensas alegrias ao povo português. Se perguntarem aos vizinhos
leões, aos devotos de Belém ou aos
tripeiros dragões, não sei mas adivinho que lhes terá dado o “Rei” com
seus assaltos de pantera negra: mais lágrimas
que sorrisos. E nisto de dar alegria,
tem muito que se lhe diga. Há outras profissões (inclusive a mais velha do
mundo) que por aí operam e também divertem
e aliviam corpos e almas, aos milhares…
Poderia
continuar neste arra-desarrazoado fado corrido, em que todos ralham e todos têm
razão ou, pelo menos, as suas razões. Por este andar, o que é suposto
prognosticar é que o dono do palacete terá de arranjar mais uns aposentos e
reservá-los já para quantos ESF’s e CR7’s
este chão botar ao mundo.
Finalmente,
a coabitação de exemplares tão heterogéneos no mesmo “apartamento”, talvez não
os deixe descansar em paz. Estou a ver a grande poetisa escrevendo que “as
pessoas sensíveis são incapazes de matar uma galinha, mas são capazes de comer
cem galinhas”. Do outro lado, o General Sem Medo ainda a clamar “Obviamente
demito-o” (ao Salazar), mais a um canto, o “Pantera Negra” apronta a Grã-Cruz
da Ordem do Infante, que lhe deu o mesmo governo da ditadura (do Salazar) e, lá
ao fundo, a diva do fado entoando com repassada melancolia “Que estranha forma
de vida”, querendo talvez dizer, “que estranha forma de morte”. Vai ser uma
desatinada cacofonia. Não vai dar certo.
O
melhor seria construir uma imensa abóbada, tipo arco-íris, onde coubessem todos os deuses do futebol
profissional, de todas cores clubísticas, as taças, as chuteiras, os apitos
dourados. E mais umas prateleiras para
os demónios da bola, os Blatter’s, os
corruptos das Fifa’s intercontinentais, regionais e locais, enfim, essa rotunda
e imensa arena de traições às camisolas (o futebol profissional é a pátria dos
apátridas), as luvas de milhões, os negócios obscuros, toda essa deseducação em cadeia com que se tem revelado o carreirismo do
futebol profissional. Aplicando a filosofia do grande treinador que é o povo
--- “cada macaco no seu galho” --- dir-se-ia que a cada deus seu panteão.
Ressalvo,
como ponto de honra, o “engenho e arte” de ESF e outros similares no exercício
da sua profissão. Se algum remoque aqui vai é só para aqueles que, a troco de
aproveitamentos políticos e quejandos, obrigaram a passear as cinzas do “Rei”
pelas ruas de Lisboa, sem que ele o pedisse.
E
porque quem pensa ao contrário também tem a sua razão, conclui-se nesta
hora que está feito o grande milagre: o
Contrassenso tornou-se Consenso, ficando cada qual com o seu senso.
3.Julho.2015
Martins Júnior
Este texto além de muito bem escrito, tem humor e só realidade! Só alguém com espírito crítico o consegue dizer. Genialíssimo!!! Obrigada.
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