Quis o governo autónomo da Madeira
antecipar-se a Machico, não no rigor da História mas na infantil ambição de
chegar primeiro à meta, marcando o 1º de Julho como o Dia do Achamento da Madeira, quando, afinal,
os cronistas da época --- Gomes Eanes de Azurara, João de Barros, Damião de
Góis --- atestam unanimemente que esse foi o dia 2 de Julho . E, para que não
pairasse sombra de dúvida, explicitam claramente, esse foi o “Dia da Visitação
de Maria a Santa Isabel”, como marca o hagiológio litúrgico. Antes que o
Funchal saísse à rua, já Machico, antes do 25 de Abril (sem quaisquer encargos
para a Fazenda Pública e a expensas de
genuínos “patriotas” locais) içava a bandeira das Descobertas, com vastas iniciativas
sócio-culturais, pioneiras nesta ilha: recitavam-se as oitavas de Camões, de
Francisco de Paula de Medina e Vasconcelos, de Manuel Tomás, cantava-se o
“Desde a primeira hora, Machico foi, Machico é…”
Se
a iniciativa funchalense foi a de obnubilar aquela que foi a Primeira Capitania
da Madeira, chegou tarde. Antes do Funchal, Machico já era! Ininterruptamente,
em cada ano, Machico engalanava-se com o brilho das suas gentes para assinalar
o seu Dia, considerando a nossa baía como o “Pórtico das Descobertas” ou “Na
Rosa dos Ventos, Machico à Proa”, ficando gravado para sempre o espectáculo de
luz e som nos baixios da enseada em que se representou o excerto da peça “O
Infante de Sagres” de Jaime Cortesão. Tempos inolvidáveis para quem os viveu
por dentro e por fora!
Parabéns
a esta Junta e a esta Câmara que, ao contrário de outras, dão continuidade à
tradição autóctone, através de um programa condigno previsto para amanhã.
Após
este desabafo, com entranhado sabor telúrico, extensivo a todos quantos amam
Machico, a “Pária do Autor”, assim lhe chamou o nosso vate Francisco Álvares de
Nóbrega, quero aproveitar a presente comemoração para mergulhar no rio destes
quase 600 anos de História, ficando também, paradoxalmente, nas suas margens
como observador atento. Não irei vasculhar o alfarrábio ou o livro dos fiados
de seis séculos, como ridiculamente o extinto dono da ilha sujeitou o
historiador do regime, mas tão-só fazer luz --- “para que os homens não
esqueçam” --- sobre a clamorosa dívida que o erário público regional tem para
com Machico. Nem vou tocar a finados pelas atrocidades que uma “autodura” (deixem passar o neologismo, que mais não
significa senão a justaposição ente
autonomia e ditadura) que nos governou durante 40 anos e que tudo fez para esganar
o progresso e destruir o prestígio da nobre “Vila de Machico”.
Quero
referir-me a um aspecto que não foi ainda suficientemente ponderado por quem de
direito. E como entrada, declaro aberto o processo de causa-efeito inerente ao historial de todas
as sociedades: os homens passam, mas as dívidas ficam. Por outras palavras, cantam-se
as vitórias, mas as vítimas perdedoras continuam a arrastar os efeitos
colaterais.
Falo
hoje da construção do aeroporto da Madeira que, além dos transtornos da sua construção
inicial, mais agravou o concelho de Machico com o prolongamento da pista.
Desaparecem os contra-argumentos quando se olha a destruição do Aldeamento Turístico
da Matur, único na Madeira, rivalizando até com
o que de melhor tinha então Portugal Continental. Não me demoro aqui com
a multiplicada agitação dos debates, das divergências entre os procuradores
empresa turística e o governo regional
acerca do projecto proposto. Fez-se o aeroporto. Muito bem. Mas… e o resto? As
unidades hoteleiras que implodiram, as residenciais, o internacional Club de
Bridge, as muitas centenas de postos de trabalho, a movimentação nos
transportes, táxis e afins, a espantosa melhoria de qualidade de vida
reflectida em novas habitações, investimentos levados a efeito no perímetro
urbano de Machico, Água de Pena e, por contacto, o Caniçal, Santo da Serra! Já
alguma vez bateu no coração e na mente dos governantes o tremendo prejuízo
infligido, com mais gravosa incidência, sobre
Machico, dado que era neste concelho que se recrutava o grande volume de
mão-de-obra? Sou testemunha das dificuldades inultrapassáveis que abruptamente arrasaram
famílias inteiras, as lutas, as reuniões com governos de cá e de lá em que tive
de participar aquando da construção, como presidente do Município!
É
esta uma dívida histórica, ainda por saldar. E não se badale mais a nauseabunda
quanto estrábica acusação que “Machico
parou por causa das Câmaras da oposição”, não, porque nos mandatos das que precederam
e sucederam, não mais se recompôs, pior, destruiu-se, toda a pujança de
Machico, vocacionado para polo turístico alternativo ao Funchal. Disse
“destruiu-se”, porque o que se fez em Machico, só por sofreguidão eleitoral,
foi sobretudo betão e alcatrão para desviar desta cidade os viajantes na ilha.
Aliás, esquartejou-se anarquicamente a
paisagem, o ambiente, a praia, roubou-se aos residentes o livre e amplo acesso
ao mar, casos paradigmáticos os de Água de Pena e Caniçal. E se não o fizeram à
praia de Machico foi porque a população opôs-se terminantemente, como terei
oportunidade de demonstrar noutra altura.
Deixo
aqui este alvitre para o Dia de Machico (e, por arrasto, da Região) em forma de
protesto pelo facto de Machico não ter sido cabalmente ressarcido das perdas e
danos decorrentes de um equipamento que, sendo de indiscutível utilidade para o
bem global da Região, causou prejuízos colaterais ainda por sanar. Não bastam
os discursos anafados por fora, mas ocos por dentro. É preciso restituir o que
foi levado.
Felicito
a Junta local por ter escolhido esta data para “Dia da Freguesia” e ainda por
ter votado o soneto “À PÁTRIA DO AUTOR” do grande Francisco Álvares de Nóbrega
para guião do hino oficial da autarquia machiquense. Bem o merece!
1.Jul.2015
Martins Júnior
Magister dixit!
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