Vem intensamente
prolongado este Dia Ímpar porque intensamente vivido até ao último instante,
mais concretamente, até à plena certeza de que um povo, miúdo na
geométrica do planeta, mas altissonante
como a epopeia de Homero ergueu-se e
corajosamente disse NÃO!
E porque as grandes
alegrias dispensam palavras que são sempre apêndices sem alma, também aqui
resumo em três estádios crescentes a minha interpretação do fenómeno que, sendo
local, vai repercutir-se à esfera global:
1º - Como escrevi, em
tempo útil, Tsipras e Varoufakis
firmaram em rude mas eloquente escritura o maior cunho de coerência com a
palavra dada ao seu Povo. Deram a cara,
exercitaram a mais paciente e consequente diplomacia político-económica,
aceitaram com estóica valentia os olhares esquivos e o desprezo dos todo-poderosos escondidos atrás das muralhas
sem rosto do FMI, do BCE e do offshore
Merkel. Nunca baixaram os braços. E quando, com a corda ao pescoço, não o
deles, mas o do seu Povo, disseram: se foi o Povo que nos mandatou para isto,
então que seja o Povo a decidir isto. E aconteceu o referendo. Entenderam que o
procurador sério deve devolver a
procuração ao seu constituinte. Que grandeza de carácter! Que coragem, sabendo
que se o SIM vencesse seria a sua imediata demissão! No mísero albergue que é Portugal, o que vimos nós?
Gente cara-de-feijão-frade, que cá dentro chupa o sangue aos seus e apresenta-se
lá fora como rica matrona, tapando o pé
rapado: ”Eu não sou dessas, da Grécia Eu cá. tenho os cofres cheios”. Devo
dizer que tenho vergonha de ser português enquanto houver um só tuga que vá
votar nessa gente. Quem, pelo passado recente, poderá acreditar numa única
promessa desses títeres das feiras?!
2º - “Nobre Povo, Nação Valente,
Imortal” --- não estou a cantar o nosso hino nacional mas o robusto Hino de
Atenas e Esparta! Quantas ameaças de Juncker, do BCE, do FMI, dos sofisticados
carteiristas que descapitalizaram a
Grécia, retirando-lhe milhões e biliões para os bancos da Suíça, enfim, o
anátema de expulsão da EU, o apocalipse fatal --- e, não obstante tamanho
arsenal bélico, o Povo serenamente disse NÂO.
“Se é para ficarmos mortos com o Euro-Hitler, preferimos viver pobres
com o nosso pátrio dracma”: eis como entendi a mensagem dos herdeiros de
Ulisses e Leónidas.
3º - Paradoxalmente, foi
o pequeno David que fez voltar atrás a tômbola gigante do Golias sediado em
Bruxelas. Só o pigmeu portuga é que ainda pensa que a “questão grega” é um embrulho de circunstância para meter na
prateleira. É toda uma nova revisão da União Europeia que agora salta ao de
cima. Que “comunidade” é esta, quão distante do sonho de Monet e de Delors?
Calaram-se as baionetas de guerra na Europa de 45. Agora são os petardos silenciosos
da exploração do pobre pelo grande capital. Agora é que dizem que a Grécia nunca devia ter entrado no
euro. Mas quando a receberam, só o fizeram para dela tirar “leite de um pau
seco” --- como diz o ditado popular --- para servir-se das tripas do pequeno
para engordar o monstro obeso. Prevejo que nada será como até agora: ou a
Europa se alevanta ou a Europa implode. Com todas as consequências daí
decorrentes. Também para nós. Porque os implacáveis especuladores não têm
bandeira e outra senha não conhecem
senão: “Bolsa ou vida”. Tudo pode voltar à estaca zero. E aí encetar a
refundação da Europa. Para que não nos bata à porta uma outra guerra mundial.
Tsipras e Varouvákis
terão de voltar ao chão pedregoso do seu calvário na mesa insensível das
negociações. Mas agora com outra força. Cada um deles poderá bradar como o
Homem do Leme: Aqui, ao leme, sou mais do que eu. Sou um Povo inteiro!
Haja o que houver, o Povo
grego deu, como há milénios, uma lição de assombro a esta Europa decrépita e astuta.
5.Jul.2015
Martins Júnior
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