Vou pegar na deixa que
ficou do nosso último convívio epistolar. Chamo convívio epistolar, porque é
assim que vejo um “blog”: um colóquio à distância, mais que uma
videoconferência, pois são mais intimistas, mais sinceros e transparentes.
Acabei o texto com o
título, hoje, em epígrafe --- Paga-se tudo! --- referindo-me especificamente ao
significante e ao significado do “regalo” que Eva Morales fez ao Papa
Francisco: um crucificado sobre a foice e o martelo. E tentei provar, por
factos indesmentíveis que, ao longo da História, os chamados revolucionários, os desalinhados,
os padres “comunistas”, enfim, os homens e mulheres anti-sistema são sempre
apelidados de desordeiros, loucos, os maus da fita. Percorri os caminhos da
Igreja Católica e tentei demonstrar precisamente o contrário: os “maus da
fita”, afinal, foram os únicos que vislumbraram o horizonte certo e desbravaram
o pedregoso caminho para lá chegar.
Hoje e muito
sucintamente, quero percorrer outros trilhos da História das nações, detectando
neles o fermento criador de outras pistas, cujo preço é, tantas vezes, a
imolação na fogueira dos seus ideais.
São aos punhados os casos de mentes brilhantes, visionárias, que “as
gentes de bem” atiram para a valeta da estrada, quando não para a vala comum dos
proscritos. Serão sempre incompreendidos, marginalizados, obrigados mesmo a
fazer opções chocantes, contraditórias.
Não é tabu para ninguém o
que se passa com a tremenda vaga de jovens europeus que saem clandestinamente
da sua área de conforto para alistar-se na fé do Islão, alguns até na vanguarda do Estado
Islâmico. E fazem-no, não por motivação religiosa, dizem os analistas, mas
porque “encheram”, saturaram-se das políticas da civilização chamada de “cristã
e ocidental”, onde campeia a exploração mais abjecta do homem pelo homem, a
corrupção capaz de transformar um
continente numa enorme prisão, caso houvesse Justiça que julgasse, enfim, uma
sociedade “organizada” pelo rosto metálico
de uma economia geradora de monstros. Basta seguir a comunicação social mais
esclarecida para nos darmos conta deste desespero de causa que invade tantos
jovens para quem a única estratégia possível é a luta armada contra os modernos
Satãs que povoam as sociedades “civilizadas”. Contra-senso? Sem dúvida. Mas
eles respondem com o conhecido estribilho acusatório: “Vocês fizeram o mundo assim”. E
pagam-se, cegamente, até com a sangrenta
moeda do sangue de inocentes!
Um outro fenómeno que
pulula na epiderme dos confusos movimentos político-sociais é a febre
alucinante do populismo de feira. Percorramos a geografia das nações, ditas
estruturadas, dotadas de Constituição, Partidocracia, Parlamentarismo democrático
estável. E que vemos nós? O descrédito de toda essa fictícia arquitectura
política e a ascensão de erupções emergentes, aglutinadas em pequenos novos partidos à volta
de um “caudillo”, que dá pelo nome de líder carismático. Apraz-me registar o
que hoje escreveu esse mestre da análise e do verbo, Baptista Bastos: “Os
movimentos de contracção (Syriza, Podemos, Ciudadanos, e por aí fora) não são
meras florações ou epifenómenos: vieram para crescer e multiplicar-se, porque
os partidos do “arco do poder” só têm sentido para promover uma infindável
série de medíocres e oportunistas”. “Dura
lex, sed lex”, esta inexorável lei da
natura que se levanta contra os abusos
que dela fazem!
Poderia chamar à colação
o sôfrego imperialismo da extinta URSS
que anexou selvaticamente e amputou regiões da sua idiossincrasia genética e
sociológica, para mais tarde pagarem com
genocídio a sua própria libertação. Para ver-se cair o Muro da Vergonha. Para,
já hoje, volver um novo czar, Vladimir Putin, aniquilar a vizinha Ucrânia.
O mesmo dir-se-á do
império tresloucado de Bush que, a pretexto de um sofisticado embuste, abriu
fogo, assassino e gélido, contra populações
indefesas do Iraque e seu património histórico. Abriu também caminho para mais tarde seguir o
Estado Islâmico a mesmíssima barbárie, destruindo
memórias milenares de um passado irrecuperável. Paga-se tudo!
Sobre a recente visita de
Francisco, o jornal “Le Monde”
titulava, em 1ª página, a 3 colunas: “Un pape politique en Amérique du Sud”,
sublinhando em subtítulo que “ ele distribuiu conselhos e reprimendas aos governantes. Eis a moral de toda esta arrazoado que venho
fazendo. Porquê chamar-se “político” a um líder religioso, quando o que ele
aponta é, nem mais nem menos, o antídoto eficaz às sociedades doentes e
corruptas?
Regozijo! --- por ver o alto representante da Igreja abrir clareiras no meio da escuridão. Mas,
acrescento, que pena! --- ser necessária
a sua voz, quando este clamor de protesto deveria sair da boca e da alma de
cada cidadão, de cada vítima silenciosamente torturada pela chamada “Ordem
Estabelecida”!
Peço, finalmente, a quem
me acompanha nesta reflexão a lucidez e a coragem para “descobrir” neste
dormente felino da nossa Ilha os atentados sociais, culturais, ambientais que o
Povo foi alegremente consentindo, enquanto lançava as mais vis imprecações a
quem defendia a terra que é nossa. E
agora, tarde e mal, é que se viu uma “bocarra”,
eufemisticamente chamado marina, vomitar
pelo mar fora 100 milhões que o mesmo Povo submisso teve de pagar.
Paga-se tudo!
15.Julho.2015
Martins Júnior
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