segunda-feira, 13 de julho de 2015

TODO O PAU TEM DOIS BICOS: CAUSA E EFEITO


Precisaria eu de três ou quatro “dias ímpares” para interpretar cabalmente o mais cáustico e imprevisto episódio deste périplo do Papa Francisco à “sua” América Latina, mas vou tentar sintetizá-lo neste 13 de Julho.  Aconteceu na Bolívia, quando o presidente Evo Morales presenteou o argentino com aquele insólito, inaudito Crucificado num martelo suportado pela elíptica foice, ícon do Partido Comunista. Provocatório para a grande tribo de jornalistas e comentadores, mas muito mais “escandaloso” quando se soube que essa era a reprodução fiel  do crucifixo usado pelo missionário jesuíta, Luís Espinal, encontrado morto em 1980 numa montanha distante, logo a seguir ao assassinato de Óscar Romero, arcebispo de El Salvador. A ambas as vítimas dos cartéis organizados tinha Francisco proclamado o seu heroísmo evangélico em prol dos camponeses e mineiros cruelmente explorados.
Dispenso-me de catalogar a “dádiva” de Evo Morales. Detenho-me apenas nos dois explosivos significantes da efígie: Um padre jesuíta católico e um símbolo da bandeira marxista apertada ao peito em oração. Tremenda contradição, clamam furiosos os fanáticos da ortodoxia dogmática. Confesso que não me causou nenhum estremeção, pois recordo que em 1972, em Volta Redonda, Rio de Janeiro, o bispo Duarte Calheiros contou-me que um dos quatro processos movidos pelo governo da ditadura federal teve como matéria de acusação o facto de, numa Semana Santa, ter mandado pintar no altar a  figura de Cristo Crucificado. Com esta particularidade: a face do Cristo era o rosto de Che Guevara.
Casos paradigmáticos, no mesmo território sul-americano. E em África. E na Ásia. E em Portugal. Quantos mártires algemados e torturados, julgados e exilados sob as garras do mais primário anticomunismo, por terem abraçado os  ideais da esquerda!
Os puritanos hipócritas atiram a primeira até à última pedra: que traidores esses falsos apóstolos do Evangelho, que medonha aberração, que diabólico efeito da sua vocação! Esse, sem dúvida, o efeito. E as causas?  Ninguém lhe investiga as causas. É nesta incógnita que reside o outro, o verdadeiro polo do bastão acusador.
Para ajudar a perceber a resposta, socorro-me de uma das afirmações produzidas em Itália por Francisco Papa, há cerca de dois anos: “Deixámos os pobres aos comunistas”. Por outras palavras: entregámos  a defesa dos pobres ao Partido Comunista. Aqui está, pelo testemunho supremo, a causa que empurrou muitos cristãos, muitos sacerdotes, muitos mártires para os braços de ideologias aparentemente desviantes do espírito evangélico. Perante uma Igreja Romana, faustosa, corrupta, perante uma Igreja diocesana, seja ela qual for, de braço dado com o poder injusto e totalitário, como não revoltar-se para encontrar o “arco de uma nova ponte” que salve os indefesos, que lhes dê oportunidade de ganhar o pão para a boca e a cultura para a sua digna emancipação? O mesmo se há-de dizer das Igrejas nacionalistas russa e chinesa, serventuárias incondicionais do totalitarismo comunista: quantos sacerdotes e bispos,  perseguidos e proscritos por se recusarem ao jugo do sacro imperialismo sino-soviético!
Poderíamos percorrer muitos outros registos da História antiga e moderna e perguntar: Como apareceu o Protestantismo e seus derivados, senão porque o Papa de Roma excomungou, em vez de escutar a argumentação lógica e teológica de Lutero sobre o sacrílego negócio das Indulgências?!  Os legítimos protestos de há mais de 500 anos perpetuam-se até hoje nesta absurda proliferação de igrejas divorciadas.
Por que se separaram de Roma, em 1054, os milhões de  cristãos de Constatinopla,  os ortodoxos, senão porque se recusaram a admitir o dogma da infalibilidade pontifícia?! Aí, as excomunhões Romanas foram “agraciadas” com idênticas excomunhões por parte do Patriarca do Oriente, Miguel Cerulário. E até aos nossos dias, nunca mais foi sanada a separação.
Por que foi expulso de Portugal o bispo do Porto António Ferreira Gomes, com o abjecto consentimento do cardeal Cerejeira, senão por ter-se batido contra a opressão dos camponeses do norte do país sob o peso da ditadura salazarista?!
E aqui tão perto, como é possível suportar uma Igreja amorfa, “bos mutus” (boi mudo) ao serviço do governo que lhe dá ordens para marginalizar há mais de quarenta anos uma comunidade de cristãos que vivem serenamente a sua fé?! Por essas e outras razões é que, no Funchal, foi implantado o maior templo de uma preconceituosa crença religiosa, precisamente a seis metros da Quinta do Paço Episcopal. E o insensível inquilino do Paço nem dá por isso!
         Não há efeito sem causa nem causa sem efeito. São os dois bicos  daquele bastão que, para uns, é vergasta inquisitorial e, para outros, fonte de denúncia e justa rebeldia. Os erros de hoje pagam-se amanhã. E quem os sofre são os incontáveis inocentes herdeiros.
Não foi, pois,  por um acaso  sensitivo que Francisco Papa, primeiro com espanto e depois com um sorriso concordante, olhou o crucifixo do irmão jesuíta, defensor dos mineiros, Luís Espinal,  que lhe ofereceu Evo Morales.
É caso para lembrar  a canção de Vinicius de Morais “Você que olha e não vê”, complementando-a com a velha máxima: “Quem tem ouvidos de entende--- que entenda”!    
13.Jul.2015
Martins Júnior

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