Sei bem que em tempo de
férias, a leitura também as tira. O que
quer dizer que o “SENSO&CONSENSO” também devia ir de férias, para bem de
quem lê e, sobretudo, de quem escreve. No entanto, é nos bastidores do lazer
que se tramam as armadilhas e os
cordelinhos que fazem do povo um desfile acéfalo de marionetes. O trunfo dos manipuladores das
nações e a sua sorte estão no sono do Povo, na inércia que o faz gozar
endémicas férias sociais, culturais e políticas. Por isso, “senso e consenso” é
o que sempre faz falta em férias e fora delas.
E porque, quer de inverno
quer de verão, as pulsões da sociedade não param, permitam-me trazer hoje à
mesa vespertina determinados cenários que se nos deparam em qualquer estação do
ano nas ribaltas da comunicação social:
Um salão iluminado, passadeira vermelha que dá acesso a exóticas
carpetes orientais, dois microfones, um
friso de bandeiras multicolores, dois ou quatro “gendarmes-gorilas” perfilados na
rectaguarda e logo entram em cena os majestosos títeres, solenes, feições
enigmáticas, quase de extra-terrestres, com a palidez fria dos assassinos
profissionais --- estou a ver a lunática
serenidade de Bush na TV, em
2003, duas palavras, carrega no botão e logo os caças aéreos americanos enchem de pavorosos clarões bombardeando
Bagdad --- e, nesses “salões dourados”, dizia eu, assinam desacordos disfarçados de acordos, accionam máquinas mortíferas, arrasam corpos e nações.
Eles são os El Assad, os Erdogan, os Putin, como eram os Hitler, os Estaline,
os Aiatolá, os Jihadistas. Aquelas passadeiras vermelhas são o sangue empapado
das fardas dos caídos em combate; aquelas vistosas gravatas são braços e pernas
dos mutilados pelas minas; aqueles microfones mais não são que metralhadoras,
canhões sem recuo com infalível efeito a milhares de quilómetros de distância.
Tudo feito “salas ovais”, ricamente decoradas, aonde só eles, seguros e
fleugmáticos, têm acesso.
Quantas vezes, na zona militar norte de Moçambique,
confidenciávamos à boca pequena: estamos aqui deprimidos, andam por aí esses
desgraçados soldados tremendo sob as emboscadas e armadilhas, uns mortos,
outros estropiados para toda a vida … e os senhores da guerra, lá na capital do Império, trocando taças de
champanhe, adulando o intocável estratega Salazar, nos salões de São Bento!
Horrorizava-nos ver os comandantes de
batalhão, os brigadeiros, os generais, carregados de medalhas: “Quantos mortos
e quantos paralíticos custou cada uma dessas comendas que orgulhosamente
ostentam ao peito. Deviam era envergonhar-se delas” --- comentávamos entre
oficiais milicianos e furriéis.
Mas hoje os descendentes
da cruz gamada já não precisam de recorrer às armas ou aos fornos crematórios,
basta-lhes a moeda, o euro, o empréstimo de milhares aos países pobres para de
lá sangrarem milhões. E o FMI. E o BCE. E os offshores!
Tudo caldeado e solenemente aprovado nas grandes salas e salões do poder. E o
Povo não vê nem aponta. Dorme, está de férias…
E no nosso Portugal: os
cortes nos salários, o desamparo total de milhares de desempregados, os
condenados à emigração, a redução das pensões, as amputações na saúde, no
ensino, o fecho economicista das escolas. Tudo feito nos gabinetes sinistros do
Conselho de Ministros, ricamente alcatifados e na tribuna do parlamento, ali
bem recachados, anémicos de alma, insensíveis cortadores de carne humana. Só me
fazem lembrar uma aula de Medicina Legal
a que assisti com outros alunos, em Coimbra, a imagem que me ficou do médico
legista responsável pela autópsia do cadáver na lousa fria: mandava o
funcionário tirar o coração e pesar na balança, tomava nota, depois o fígado,
depois os pulmões, tudo somado em gramas no boletim que friamente segurava nas
mãos. Havia alunos, sobretudo as raparigas, que não aguentavam e tinham de
abandonar a aula.
Todos esses sinistros
ministros, sangradores do país, comparo-os
ao tal Professor médico, mas com uma diferença: é que enquanto o docente
autopsiava mortos, estes homens e mulheres dos salões ministeriais fazem
autópsia a corpos vivos, cortam almas e corações e famílias. Eles e elas,
insensíveis, com um jantar de gala à espera. E o Povo a dormir, sempre de
férias…
Pior: o zé-povinho
madeirense de laranja rolante, esquentado pelo calor e pela poncha do Chão da
Lagoa, a aplaudir e a abraçar quem fez a
promessa pré-eleitoral de não cortar
pensões ou subsídios de natal e acabou por levar couro e cabelo aos
portugueses, mandou empobrecer e emigrar, a esses madeirenses dormentes, pobres marionetes afectados de alzheimer
profundo. Mais me custou a bobagem do novel presidente da Madeira, feito
manequim nas mãos de um tal Coelho… Ao ver tais cenas, tive vergonha de ser
madeirense!
E, pelos vistos, vão pedir mais do
mesmo. Vão despir a camisa para atapetar os corredores de São Bento, vão
extrair da veia sangue ilhéu para a
caneta de tinta permanente com que o ainda-Primeiro vá assinar “decretos da
fome”, como diziam e protestavam os
nossos antanhos da Revolta da Madeira em 1931 contra as leis monopolistas da
República fascista de Salazar. E eles
sabem que é agora a hora da anestesia do Povo, enquanto duram as férias até
Outubro chegar.
Perante tudo isto, o SENSO hoje deixou
de ser CONSENSO, porque não dorme, não vai de férias hibernais em pleno verão.
Porque está atento, para não perder o siso e o senso.
29.Jul.2015
Martins Júnior
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Embora escrito em dia ímpar, só hoje, dia par, sai esta missiva, por
motivos de falência técnica ontem ocorrida. O meu pedido de desculpas.
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