Foi de uma enternecedora
emoção que, ao abrir do dia, levantei o auscultador e, do outro lado, da linha:
“É por uma boa notícia que o incomodo logo de manhã. A Carolina ganhou o
Prémio Internacional dos Pequenos Cantores, realizado ontem na Figueira da Foz,
com a canção “Ginasticar”, interpretada pela pequena Beatriz”.
Era o meu amigo Victor
Caíres a descrever-me o incontido júbilo de pai ”mimado” perante a distinção maior “arrebatada” pela
música de sua filha..
A propósito deste pódio
internacional, tem-me perseguido e galvanizado durante todo o dia, uma
descoberta idêntica ao de EF Schumacher,
em The Small is beautiful. E porquê?
Em primeiro lugar, pela simplicidade do tema “Ginasticar”; depois, pelo sortilégio desta conjuntura: a autora,
embora já com provas dadas, não pertence à galeria oficial, protegida, estereotipada, dos profissionais da
composição. Pelo contrário, a sua música nasce
do olhar dos seus doentes, das
compressas e seringas com que lhes injecta renovada esperança de vida, enfim,
nasce à beira de corpos gementes e almas doloridas. Quem havia de imaginar que
das mãos de uma profissional de enfermagem saísse tanta energia, tanta beleza,
tanta magia de transformar o sofrimento circundante em melodias de sonho. A
Carolina pertence àquela estirpe da ciência médica que usa a música no tratamento de certas
patologias.
Devo dizer quanto me dói
e quanto detesto certo figurino de concursos televisivos em que as crianças
entram em pleno e saem em pranto, traumatizadas, por vezes, enxovalhadas pelos doutorais juízes que tratam
petizes de palmo e meio como concorrentes de arena adulta. E em proporção
geométrica, quanto me confortam e deliciam os espectáculos soltos, em que as
crianças entram leves como pássaros e saem do palco felizes, aplaudidas, mesmo
que a sua prestação nem sempre seja a
desejável.
Incluo neste elenco, as
audições didácticas, as efemérides tradicionais do Dia da Mãe, do Ambiente, de
final de ano escolar. E das festas tradicionais de cada localidade. Não é só
nos concursos da grande ribalta que se mostram vozes dotadas, acima da
média. Nem de propósito! Ocorreu ontem,
na Festa da Ribeira Seca, mais um episódio da
“Descoberta de Talentos”, protagonizado por quase-anónimos intérpretes da zona, sob iniciativa
da rádio local. Fiquei extasiado com o
timbre, a afinação, a segura interpretação de vozes caídas dos altos montes e
cristalizadas como jóias no coração do
vale! Gente que mora à nossa beira,
crianças e jovens que, se lhes dessem
oportunidade de ir mais longe, em nada
desdiriam daquelas que passam e repassam nas estafadas manhãs da nossa rádio. E
o que mais admiro e não me canso de exaltar é a acção persistente de quem, nas
escolas, nos ajuntamentos ou grupos
corais, nas igrejas, nos meios mais recônditos, sem dar nas vistas, teima em
descobrir talentos e valores que, certamente, não serão cortejados pelas televisões
e demais órgãos de informação. Falo não só da Ribeira Seca, mas de muitos
outros movimentos afins que, humilde mas
decididamente, sem o mínimo apoio
institucional (e nem falo de dinheiro) cumprem
um tão nobre serviço público de valorização das comunidades. Chega-me, no entanto,
a notícia de uma intérprete, voz poderosa, nada e criada no nosso meio e que, agora, terá recolhido promissoras
indicações no casting do programa “The
Voice”.
Será recriminável que se
fechem escolas, sementes de valores culturais e, daí, peças vitais para a
construção do monumento fértil que é a população rural. Recriminável, também,
que se olhe apenas para o sector profissionalizado (escandaloso, o sorvedoiro
do futebol) deixando na valeta do mundo vocações natas para as artes e para as
ciências. As recentes vitórias concursais
de alunos madeirenses, a nível nacional,
nas áreas da matemática, da biologia, da
música, esclarecem e clamam pelo seu
lugar ao sol, sem preconceitos opcionais de índole política e provinciana.
Outro nome não terá senão o de assassínio humano o desprezo a que são votadas
certas franjas da periferia madeirense.
Nunca se sabe o que de grandioso estará
encoberto sob os crepes tímidos e frágeis que escapam à “nomenclatura” oficial.
Em qualquer profissão e no mais humilde lugarejo, escondem-se talentos à espera
de ver a luz do dia. Voltando a Fernando
Pessoa: “Em quantas mansardas e não
mansardas do mundo/Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?”
É preciso fazer sair das
mansardas talentos e génios encobertos pela névoa opaca da mediocridade reinante.
Parabéns à pequena Beatriz
Parabéns à Carolina que, com a saúde do espírito, a música, faz regressar à vida os que mergulham nas cisternas da depressão!
Parabéns à Carolina que, com a saúde do espírito, a música, faz regressar à vida os que mergulham nas cisternas da depressão!
Parabéns e força a todos quantos
entregam a vida para que outros a tenham!
27.Jul.2015
Martins Júnior
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