Dividido,
hoje, entre a Casa das Leis e a Casa das
Letras, optei pela Casa das Letras. Da Ciência. Do Saber. Do Estar aqui e agora
e sempre.
Enquanto
na Assembleia Legislativa Regional se perorava sobre 40 anos de Autonomia,
medida a metro pelas altas instâncias da Nação e da Região, nas paredes do
velho Colégio dos Jesuítas reflectia-se,
sonhava-se e sofria-se, sentindo-se a mão de HH passar pelo dentro de todos
nós, desde o alto da cabeça até à planta dos pés. Lá, eram 40 anos de esgrima
política. Aqui era o mundo todo, o Homem-Todo, o corpo, a alma, a génese e o
fim, a vida e a morte – a nossa história inteira, que nos pegava e nos levava a
atravessar muralhas e pontes na barca carregada dos mais de 40 livros do poeta.
Começou
o “Congresso Internacional de Herberto Hélder” coincidentemente no lugar-sem lugar onde nascera em 1930 e de
onde tão depressa se libertara. São cerca de 20 os comunicadores nacionais e
estrangeiros que, após o longo e doloroso itinerário por entre a floresta
espessa e funda da obra de HH, estão connosco para nos ensinar os trilhos, em
todas as direcções, desse percurso. A
preciosa presença da viúva e do seu filho veio colocar no meio da sala a face
omnímoda e misteriosa do autor do “Ofício Cantante”.
Estamos
perante o universo planetário que nos comprime e desperta e explode em assomos
de exaltação, fúria, incógnitas e revolta. Deste primeiro dia, recolhemos os
labirintos da alma, quedamo-nos assustados e saímos transfigurados - um triplo
salto no abismo do multipolar pensamento herbertiano. Apercebemo-nos da chama ardente que o devora e,
de imediato, o reanima, quando descobre que o “Poema é o teorema da violência”
ou que “a poesia é a recusa à sintaxe
das boas maneiras” ou, ainda, que “é a excepção que dá beleza à regra”. Difícil
entender que um ateu (como ele próprio se identifica) é capaz de dizer que “é
preciso amar a Deus eroticamente”… A evocação do Marquês de Sade, saudado como
o grande poeta, remete-nos para a essência do “mal” e do seu relativismo na
escala dos valores oficiais, tocando as raias do “herético” (ele o diz) ao propor
que o crime e a impureza traduzem-se, no
glossário do criminoso, como prova da “inocência e da pureza”.
A
conquista do auto-domínio estóico, espartano, aprende-se com HH, na sua
substantiva definição de “Soberania”, que “não é objecto que se alcança, mas que
sempre se procura” – Obra Aberta, sempre Inacabada! Ao ver desfiar a concentracionária
mundividência de HH, ocorreu-me a enigmática profundidade de Leonardo Cohen.
Tal como o génio da canção hipnótica, redentora, também HH exclamou: “Amanhã
morrerei”!
Neste
primeiro apontamento sobre a Grande Notícia que é este Congresso (genuinamente
imperdível!) concluí que HH, à semelhança de Antero de Quental, tinha uma alma
que não cabia na estreiteza da ilha. Teve de “emigrar” para voar mais alto. E se “um fraco rei faz fraca a
forte gente”, a terra pequena torna escassa a estatura do gigante. Ainda bem
que voltou, não “num caixãozinho de pinho”, mas no trono da glória que,
assumidamente, sempre abjurou em vida. Mas que o merece. Para que da nossa pequenez renasce “a ânsia de subir e a cobiça
de transpor”, como queria Goethe, no seu
“Fausto”.
Parabéns
e gratidão à Organização, na pessoa da Profª. Diana Pimentel.
21.Nov.16
Martins Júnior
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