Sei bem que não terá a “dignidade”
exigida para encher uma página que se quer ampla e abrangente. Mas não será
menos verdade que o nobre sentimento da gratidão preenche as fendas abertas no
itinerário do quotidiano. Mais do que isso: é este óleo puro de oliveira que
desentorpece a máquina social, urdida de trocas mútuas da sã convivialidade
Querem estas palavras
traduzir o meu maior reconhecimento pelas saudações com que muitas amigas e
amigos tiveram a gentileza de acompanhar o meu 78º aniversário. Seria de uma
tremenda injustiça se o não fizesse. “Saravá” – Bem hajam! Entretanto, permitam
que aqui acrescente os principais destinatários das vossas saudações: os pais.
Em dia de anos, são eles, pai e mãe, que merecem o aplauso original, porque
foram eles que nos fizeram. Nós apenas
demos corpo e alma ao amor daquele homem e daquela mulher que nos puseram no
mundo.
Por
outro lado, quero ser o portador das congratulações extensivas a todos quantos
nesse mesmo dia incarnam o renovado milagre da Criação Primeira. Serão milhares,
talvez milhões. Estendendo os braços ao seu encontro, vejo-os em tantos
continentes, em tantas profissões, com ferramentas tão distintas nas mãos.
Quando digo ferramentas, digo hipóteses de construção desta faixa da história
que nos coube sedimentar por sobre o grande edifício em que somos inquilinos de
passagem. Nesta subida, feita de glórias e fracassos, aproximando-me do vértice – porque a vida é
sempre a subir, nunca a descer – concluo que o mais importante não é deixar um
grande nome, imobilizar-se num monumento ou alcançar o sol que a todos alumia.
Não. O mais importante e único é viver em plenitude o momento, a hora, a hipótese.
Quer tenhamos 10 ou 20 anos – viver literalmente a juventude – 30 ou 40 – galvanizar
as baterias da criatividade e da ternura - ou 60, 70 ou 80 - a glória maior é reproduzir, diria mesmo, “engravidar” o
instante, a hora, a oportunidade para recriar o mundo que nos foi dado. É o
nosso único episódio em cena. Vivê-lo intensamente, correndo riscos, bebendo
mágoas e contratempos, mas sempre exaltando a “ode triunfal” da Vida, que hoje
é nossa, amanhã de outros. Esta Vida – a única que conta, como capital e passaporte para uma outra que não nos compete decifrar. Por
isso, a Vida, seja qual for a meta etária,
nunca envelhece. Renova-se. Transfigura-se.
É com esta chama acesa que devolvo
todas as saudações gentilmente oferecidas, no dia de ontem.
……………..
A gravura que encima o presente agradecimento conjunto tem por objectivo
lembrar alguém que pertence ao 16º de Novembro – José Saramago – a quem tive a
honra de abraçar em sua casa por ocasião do seu aniversário, em 2009. Após a tentativa de encontrá-lo
no remanso de Tias, Lanzarote, fui informado “in loco” de que, nesse mesmo dia,
estava em Madrid. Sem demora, voei atá à Rua da Madeira, onde o nosso Nobel
estava em audiência, desde manhã, com editores nacionais e estrangeiros.
Visivelmente cansado, mas sempre de uma lucidez penetrante, conversámos sobre
Portugal, a Madeira, a justiça social, a Fé, a Igreja, novos planos de escrita,
em suma, um fim de tarde pleno, um dos tais instantes que preenchem uma Vida.
Recordo-o hoje, este magnífico “escorpião”, com particular emoção, porque foi o seu último
aniversário, aos 86 anos. Depois, só o acompanhei na marcha dolorosa, sim, mas
gloriosa, rumo à Cidade Nossa, Inultrapassável, no Alto de São João, em de Junho de 2010.
Peço à sua filha, Violante Matos, expressão
viva e lídima continuadora do espírito libertador do seu Pai, e à sua eterna
musa e companheira Pilar Del Rio, aceitem as minhas saudações e sentimentos do
16 de Novembro, sempre memorável. Mais presente e celebrado será, entre 2016 e
2017, nas comemorações do tricentenário do Lançamento da Primeira Pedra da
Basílica do Mosteiro de Mafra, em que será apresentada a reedição especial do
seu inigualável “Memorial do Convento”.
Ele, o maior do nosso 16º Novembro!
Não subiremos tão alto no seu voo de Águia Real, mas cada um de nós,
manejando, não já a pena mas a
ferramenta braçal e intelectual - o martelo, o leme, o livro, o bisturi - cada um de nós escreverá no seu dia-a--dia o Evangelho
da Vida e a Memória Futura.
17.Nov.16
Martins Júnior
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