quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O ANEDÓTICO E O SÉRIO DA QUESTÃO

Após um início de semana envolvido no universo poético de Herberto Hélder – foi o seu I  Congresso Internacional  no Funchal – desci à rua e meti-me pelos becos e avenidas de um assunto que tem tanto de sério como de anedótico.
Começo pelo anedótico. Lembram-se  (como não lembrar-se?) dos suspiros, que passaram a remoques, da direita portuguesa, desejosa de greves e manif’s, ao ponto de acusarem certos sindicatos, com flecha directa aos professores: que já não faziam nada, nem greves, nem revoluções nas ruas, nem na escadaria da AR. “Estão feitos com o Costa” – era a amarga desilusão acintosamente  repetida . Até que, por fim, lá vieram as almas para a rua, desfraldaram-se os tão almejados lençóis com palavras de ordem, nalguns casos até, com estertores de esganiço febril. E a direita, essa alfim satisfeita, babada e embalada nos protestos, ao ponto de subir a parada mais alta das benesses populares no Orçamento de Estado, já  a partir de Janeiro. O anedótico começa por aqui: os que abominavam as greves e as manf’s e tremiam com os policiais a treparem a escadaria do Parlamento, agora suspiravam por elas, dia e noite!
Mas o cómico continua, à mistura com a cegueira primária. As reivindicações cobradas a este governo têm tudo a ver com o que os anteriores gerentes do reino subtraíram ao povo: era o horário das 35 horas, era o malfadado congelamento de carreiras, eram as carências de recursos humanos, enfermeiros, médicos, funcionários judiciais, enfim os cartazes empunhavam libelos acusatórios contra aqueles que, há um ano transiam e assavam de medo atrás das janelas dos ministérios e agora esvaíam-se em espasmos de júbilo adolescente, sem sumo. É o cúmulo da cegueira!
Passando ao aspecto sério da questão. Não obstante as melhorias verificadas desde há um ano a esta parte, não será nunca despiciendo o contributo directo dos interessados na causa e no processo. Umas vezes por escrito, outras nos gabinetes e ainda outras nas ruas. Tenho para mim que a presença “ao vivo” das populações, de forma correcta e assumida, funciona como um despertador sempre vigilante à mesa de cabeceira dos dirigentes de um concelho, de uma região, de um país e até de um continente, no nosso caso, o europeu, podendo mesmo alcançar as raias do “planeta azul”, no tocante, por ex., ao ambiente e ao aquecimento global. Diante de quem protesta, a atitude imediata  não será a de  accionar o botão e mandar um batalhão para a rua. Pelo contrário, deverá soprar aos ouvidos dos governantes esta pergunta: Em que é que nós erramos? Onde, como e quando devemos emendar a mão?
Não há que ter medo de quem se manifesta com a sua razão. E é bom sinal que, na ponderação e solução dos problemas, siga o povo na vanguarda, manifestando a sua consciência cívica, política e social. Porque por muito que esteja feito, há sempre algo a fazer. As manif’s e greves, quando justas, têm todo o peso institucional de um referendo vivo, personalizado, mais imperativo, portanto.
Sirvam estas palavras  de constatação e de saudação ao primeiro dos quatro degraus do pódio a que o Povo Português convocou os artífices da governação, aquela que tão malsinada foi no início e, agora, se apresenta como testemunho seguro de participação activa no comando da Nação.

23.Nov.16

Martins Júnior  

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