Quantos
quilómetros de rolos e quantas toneladas de tinta terão de fazer gemer as
rotativas diárias sobre o corpo gigante de um homem que hoje não é mais que um punhado
de cinzas ambulantes!... É impossível ficar abúlico e inerte perante um fenómeno que, sendo o mais
comum e banal entre os mortais, ganha outro tamanho e provoca outro ruído,
outra trepidação à sua volta. Porque o que conta não é o objecto físico que somos
no espaço, mas a força que transmitimos ao ar que os outros respiram. Por
outras palavras, é a obra que avalia o Homem/Mulher que vem a este mundo.
Por
isso, eis-me aqui, alinhado na fila dos ditos e escritos sobre a morte de Fidel
de Castro. Debruçado à janela de mim mesmo, vejo “ a banda passar”, os jornais, os tele-noticiários,
as opiniões que vão desde o fundo mais
fundo da maledicência voraz até aos píncaros dos montes heróicos. Deixo para outra altura a apreciação sobre o
mar revolto das críticas e dos panegíricos inspirados no “Comandante”. Hoje,
descansarei a cabeça em cima da voz que ouvi a um septuagenário cubano,
residente em Havana, a respeito dos atentados aos direitos humanos, praticados
pelo regime.
Ao
jornalista respondia o homem: “É verdade que não tínhamos
os direitos de protestar, de falar ou escrever
contra o governo. Mas há outros direitos humanos mais importantes, como a
saúde, o ensino, a segurança, a alimentação. E esses tínhamos mais que os outros
países”.
É neste binómio que se situa o código
supremo da condução dos povos. Sem dúvida que o ideal seria ganhar o melhor dos
dois mundos: a liberdade de expressão e a satisfação dos direitos inerentes ao crescimento
integrado do indivíduo e da sociedade. Chegados, porém, a estra encruzilhada –
direito à falar ou direito à auto-realização – por onde iremos?
Já tivemos conhecimento da cadeia em
que viveram os nossos antepassados no regime salazarista. Era o tempo da
mordaça e da sentença fatal: “o
trabalhador só precisa de duas camisas - uma no coiro e outra no lavadoiro”. Emancipados, porém, dos ferozes sistemas ditatoriais para o plano da democracia, justo seria recuperar
os dois patamares ou direitos enunciados acima. Entretanto, a transição é
sempre uma passagem de nível entre duas margens, entre dois campos opostos, é a
fuga vitoriosa das garras daquele que
nos sangrava cruelmente, que nos manietava e matava. Nesta fuga, há que
acautelar-se o futuro da população, enfim, livre, nunca esquecendo que os sequestradores de ontem, os opressores,
estão sempre à espreita, para vingar-se da derrota. E quando esse “inimigo”
organizado se chama “capitalismo selvagem”, insaciável do sangue dos inocentes,
então aí é preciso segurar, organizar a defesa eficaz contra o invasor sem
tréguas.
É nessas circunstâncias que se torna
premente escolher. E perguntar: De que serve a liberdade de falar se daí em
nada altera o regime: se as populações continuam sem escolas, sem assistência
médica e medicamentosa, sem o direito ao pão e à segurança?
Dei comigo a excogitar sobre a resposta
do septuagenário cubano. E, não obstante a lógica do seu pensamento, volto a
confrontar-me se a liberdade de expressão não se sobrepõe a todos os outros
direitos humanos. Porque há regimes e titulares, os da área capitalista, que
compram as pessoas, os jornais, a comunicação social toda, as igrejas, as
colectividades para, depois, silenciar e reprimir todo um país ou toda uma
região!... Não sei se os madeirenses se revêem neste cenário.
Ingente tarefa esta para os líderes e
para os liderados, qual é a de evitar dois perigosos escolhos: por um lado, a
ingenuidade “revolucionária” que abre portas e postigos aos invasores e, por outro, o imperativo de
devolver a liberdade e o respeito às comunidades libertadas.
O menos ou o mais que se pode dizer é
que, se em determinados picos da transição são inadiáveis medidas–válvula de
segurança e apertada vigilância, a verdade é que no curso normal da vida não se pode viver em
permanente estado de transição.
27.Nov.16
Martins
Júnior
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