Teve
pouca dura um sonho americano nascido naquela manhã de outono de 2008. Não mais
que oito anos, um pingo de ouro caído na quase- -tricentenária planície dos Estados Unidos da América!
Quem
poderá olvidar o sol nascente desse dia memorável em que o jovem Obama, oriundo
da negritude, ascendeu à majestosa cúpula branca do Capitólio. Em todo o mundo,
estruturalmente civilizado, alvoroçaram-se os espíritos, estralejaram no
firmamento os morteiros de festa enlaçados nas oliveiras da paz, enfim, uma
alma nova vestiu o corpo inteiro do planeta Terra. Parecia ouvir-se um coro
angelical descido das nuvens altas, melodiando o cantar de outros tempos: ”Paz
aos Homens de Boa-Vontade”. Recordo-me da ovação de todo o Portugal, na voz
proclamatória de Mário Soares, saudando o Dia Novo. Era para o povo americano o
eco do que fora para os portugueses o “25 de Abril”.
Ainda
não se mediu assaz o clarão fulgurante dessa eleição, o seu alcance semântico,
político e social: Um Homem do Povo, estranho fenómeno emergente das classes
mais descriminadas, pelas quais tanto
lutou e pagou com a vida o eloquente e pacífico revolucionário Martin Luther King. Pode bem dizer-se que Obama foi a
incarnação futura do antigo sonho de King –“I have a dream”.
Mas
a eleição de um afro-americano para o mais alto cargo da Magistratura Americana
foi também o regresso às origens da Constituição
Fundacional da grande Nação, expressa na Carta de Direitos, de 1791, mais tarde assumida pela Declaração
Universal, de 10 de Dezembro de 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos… Podem
invocar os direitos e liberdades, sem
distinção alguma de raça, cor, sexo, religião, opiniões políticas ou outras”…
Pingo
de ouro – disse eu. E provou-o.
Registo
apenas o Prémio Nobel da Paz, no início do mandato, prenúncio de um programa a
cumprir, como se viu no histórico aperto de mão a Raul de Castro, aquando do
funeral de Nelson Mandela, gesto que culminou no Acordo de Paz com Cuba e
levantamento das sanções – um objectivo que o mundo julgava impossível de
alcançar.
A
batalha por um outro sistema geral de saúde pública, o “Affordable Care Act” - que veio pôr termo à desumana descriminação
entre saúde imediata para os ricos e morte
sem remédio para os pobres – constituiu talvez o maior feito em prol da
igualdade social.
Humana
e intelectualmente, Obama deixa um património de eloquência magistral, única em
toda a história americana. O pensamento discursivo, a imponência gestual, o
olhar penetrante e, sobretudo, o timbre
altissonante e poderoso da sua voz deixam a léguas de distância os aprendizes
da retórica política que hoje nos debitam os governantes brancos. Se Frank
Sinatra era “The Voiçe” da canção, Obama foi “The Voice” da palavra, facto indesmentível
que levou o articulista de “ The Washington Post”, Greg Jaffe, a defini-lo como
um “tornado divino”. Vamos ter saudades dos seus discursos, ao vivo. A
correcção cívica, a finura de trato, a elegância da representação vemo-las na
diferença abissal entre Obama e o candidato republicano Trump, nas prestações
desta campanha eleitoral.
Na
hora de abandonar a Casa Branca, Barack Obama deve levar consigo um fio de
tristeza sem termo por não ter cumprido todo o seu sonho, especificamente no
enigmático Guantanamo. Bem concluiu Gothe, no famoso “Fausto”: Ars
longa vita brevis – “ é imensa a arte (o plano) mas a vida é breve”. Em casos como este, é que se questiona
a lei da Limitação de Mandatos. Quantos
erros não corrigiria e quanto
não aperfeiçoaria a Política Americana se Obama fizesse mais um mandato! Para exprimir este desiderato, não encontrei
melhor forma que o desabafo de um basquetebolista americano, nesta altura
atleta do basquetebol madeirense, mas com direito a voto: “Se Obama
continuasse, era absolutamente para ele o meu voto. Mesmo assim, votarei
Hillary”.
A
Barack Obama podemos dedicar e identificar a sua personalidade única com a canção
coimbrã do V Ano Médico: … “Tem mais encanto na hora da despedida”. Prefiro, porém,
guardar na retina e colar para sempre aos meus tímpanos aquele cântico de
valentia e de esperança de há oito anos, como herança mobilizadora para a
metamorfose dos nossos tempos: Yes, We
Can – “Sim, Nós Podemos”. A que acrescento militantemente: “Sim, Nós
Queremos” transformar o nosso Lugar, a nossa Região, o nosso País!
05.Nov.16
Martins Júnior
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