É o amor pátrio – daquela “Pátria do
Autor” a quem Álvares de Nóbrega dedicou o emblemático soneto de Machico – é essa alavanca que me pega na
mão para tocar, mesmo ao de leve, no monumento vivo de um percurso de 120 anos de existência. Diante dos olhos, vejo passar essa criança,
nascida em 1896, pressinto as crises de crescimento inerentes ao próprio
processo biológico, os altos-e-baixos , os entusiasmos frementes e os hiatos
depressivos em toda a sua marcha.
Prosseguindo
a transição, ontem iniciada, da idade madura dos 60 anos, em 1956, para o vértice do centésimo vigésimo
aniversário em 2016, declaro e atesto
ter sido testemunha ocular e participante atento
da segunda metade do percurso, os triunfos e os revezes que apontavam para
uma segunda vida, uma reencarnação da primeira, até alcançar a renovada
juventude dos primeiros anos. Entre os alvores de esperança, a BMM conheceu,
desde 1961, a criação de novas centralidades paroquiais – de uma passou para
quatro, em Machico – o que proporcionou novas hipóteses de levar cultura e
ânimo às populações imersas na mais ancestral ruralidade. Entre os revezes,
contou com a guerra colonial que, a par
de outros prejuízos maiores, levou para terras africanas elementos jovens já
iniciados na arte dos sons. Novo sopro de alvorada, revigorou de vitalidade a
nossa aniversariante, em Abril de 74. Onze anos depois, em 1985, viu estoicamente
arder a própria casa e, mais doloroso, viu desfeito em cinzas o seu sonho de
altitude quando, com a casa, ficaram também calcinados os instrumentos musicais.
Mas não se deixou amortalhar com as chamas. Pelo contrário, outra chama se
ergueu no seu seio, rumo ao futuro.
E
assim alcançou o pico alto do centenário, acrescido hoje com mais 20 primaveras
em flor.
O
espírito aberto e democrático da nossa Banda bem pode espelhar-se neste breve
tríptico histórico: a “Phylarmónica de Machico”
que saudou o regime monárquico na visita de D. Carlos I à Madeira, foi a
mesma que fez brilhar o Hino Nacional para o “Presidente do regime da
Ditadura”, Craveiro Lopes - 1955 - em Machico e para
os “Presidentes da Democracia”, Jorge
Sampaio em 1998 e Cavaco Silva em 2008,
nesta sede do concelho. Prova inequívoca
e mais tocante para quem escreve estas linhas foi a abertura incondicional para com a Ribeira Seca, a Banda Municipal de Machico atendeu
sempre ao requerido pela população local e marcou sempre
uma presença prestigiante nas festas do Amparo e do Senhor. O Povo não esquece!
A
evocação do 120º aniversário, cujo programa encerra neste dia, alcançou um brilhantismo e uma simbologia, de
todo assinaláveis, a começar pelo convite às Bandas de Santana e Câmara de
Lobos para actuar no concerto comemorativo, revelando-se Machico como coração da
música, abraçando em comum os dois polos
distantes, a norte e a sul da ilha.
A
Banda é estimada e amada pelas gentes de Machico. Os intercâmbios que tem realizado
com outras instituições congéneres catapultam o seu timbre dentro e fora da
Região. Aguardamos que se dissolva,
quanto antes, o bloqueio – vexatório para a instituição eclesiástica, - que tem
reduzido a centenária colectividade à condição de proscrito, refugiado expulso
da sua pátria natal.
A
excelente exposição patente no átrio da Câmara Municipal faz perdurar as
comemorações e revela que a criança de 1896 está viva e promissora. A sua vitalidade está bem expressa nos
talentosos jovens executantes, entre os quais o autor do Hino do 120º
aniversário. Ao Director Manuel Spínola e ao Maestro Nuno Santos, o mais que se
deseja é que nunca as mãos lhes doam nem
a coragem esmoreça.
O estado de alma com que termino esta
partitura, desde 30 de Outubro até 1 de Novembro, é dirigida
muito afectivamente ao Director, o
veterano sempre vigilante e o sustentáculo da perene juventude da BMM, mimado
por todos pelo carinhoso diminutivo de “Manelhinho”. Ei-lo:
Há
setenta anos e mais, guardo na retina o antigo Maestro e Dirigente José da
Costa Miranda, verdadeiro ícone do projecto musical deste concelho, consignado
à Banda. Estou a vê-lo, caminhando à frente dos músicos de então, rumo ao
histórico coreto da vila de Machico. Pois bem, Prof. Manuel Spínola. Hoje ao vê-lo descer a rampa que dá para o
palco das festas, trazendo atrás um vistoso grupo de jovens com os respectivos
instrumentos, só me veio ao pensamento a postura dedicada e distinta do Maestro
Costa Miranda, de há setenta anos. Comovi-me
no meu íntimo e disse: Cá está a primavera renovada!
Daqui
a setenta e mais anos, outro Costa Miranda e outro Manuel Spínola percorrerão
as ruas desta cidade, à frente de novos rebentos musicais, projectando em todo
o vale de Machico este pregão: “ A Banda está viva, eternamente renascida” !
Valeu a pena – dizemos nós
!
01.Nov.16
Martins Júnior
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