Hoje,
domingo, as teclas do computador
pedem-me sonoridades domingueiras, a preceito e cheias da cor do plenilúnio que
ilumina estas noites de outono. Nem
sempre é fácil encontrar no pronto-a-vestir dos “dias ímpares” o fino figurino de fim-de-semana. Mas achei-o, ontem
e hoje, aqui tão perto. Nas mãos, imaginem, e nos dedos de gente nossa, do
campo à cidade. Nas tábuas que vieram do pinho manso, do plátano, do vinhático
oloroso descido das montanhas.
Para
muitos, seria de esperar um evento nobre, vistoso, importado das Américas ou
das ilhas longínquas. Não. E já desvendo o segredo: foi num chão acolhedor,
cheirando ao néctar do “sercial”, da “malvasia”, do “terrantês” ilhéu. Estou a
transpor para o pequeno mostrador das vossas casas o “Encontro de Tunas Madeirenses”,
em boa hora recuperado. Foi no Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato,
ontem e hoje.
Permitam-me observar que, agradecendo embora
aos artistas convidados do exterior, estes formaram a moldura da paisagem que
mais me tocou: os cordofones - bandolins, bândolas, bandoloncelos, “guitarrones”
– dedilhados por mãos nossas, num abraço
inter-geracional e inter-laboral, desde
estudantes a operários, desde adolescentes a adultos. Perante o friso multiforme
que ali desfilou – Gaula, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Câmara de Lobos, Funchal,
Camacha, Faial – senti-me embarcado num enorme bandolim, a Madeira, vogando no
Atlântico do sonho, tendo por vela uma extensa partitura desfraldada ao vento.
Para
quem lida com esta massa, facilmente interpreta a soma de esforços, de
empenhamento, de entusiasmos e pausas sentidas, “Da Capo”. E sobretudo o rio
musical que serpenteia por entre tantas freguesias da nossa terra. Dir-se-ia que há um espírito alado que enforma e une distâncias,
idades e profissões nesta nau chamada Madeira. Aos responsáveis, aos executantes,
aos seus familiares-suporte indispensável desta “aventura”, os maiores aplausos
e parabéns. A “arte dos deuses” faz crescer os humanos.
Aproveito
este momento para dedicar a toda a “Nobre Turma das Tunas”, a saudação que , em
1987, dediquei à “T.C.M. -Tuna de Câmara de Machico” (sublinho, “de câmara”) sediada na Ribeira Seca, por ocasião do IV
aniversário da sua fundação.
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TÁBUAS QUE SENTEM E CANTAM
Arranca da montanha o Lenhador
A tábua verde e rude sem feição
Que tanto dá prao seio de tambor
Como dará prá nau do meu caixão.
Mas o milagre da Mãe-Terra
Fez o milagre-virgem deste abraço:
Da lenha ardendo em seiva
Fundida em cordas de aço
Fez este coração …e este braço.
Já não sabe a suor
Já não se ouve o machado
Agora é valsa em tom maior
É sinfonia, “allegro”, é amor, é fado.
Veias de lume, o lenhador
Sonoras mãos, o carpinteiro
Génio do som, o compositor
Tão longe e belo foi vosso roteiro
Até encontrar a foz sem fim
Na concha frágil dos meus dedos
E na ternura breve deste bandolim…
Tábuas que sentem…
Tábuas que choram…
Tábuas que cantam…
Sentem o palpitar de corações
Choram saudades e nocturnas paixões
Cantam “núpcias” e glórias de Nações.
Bem-vindos, hoje, à nossa mesa
Brindando no mais fino cristal desta alegria:
Jamais há-de morrer o fulgor desta Beleza
E a tábua-pauta da Festa deste Dia
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13.Nov.16
Martins Júnior
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