Nada
mais belo que atravessar a ponte nocturna de Março-Abril em terras da Calheta!
Chamemos-lhe a ponte do amor e da saudade, iluminada pela força astral que nos
uniu a todos : José Afonso.
Um
grupo de amigos do Zeca - companheiros na ‘Lusa Atenas’ - juntaram-se e, tocados pelo
espinho doce da saudade, fizeram um pacto histórico e juraram: “Passados trinta
anos da sua morte, temos de pagar-lhe condigno tributo”. António Macedo, José Júlio, Luís Filipe, João
Dionísio (dispensam o DR) mobilizaram-se nesta nobre cruzada, pediram o consenso
da associação “Calheta-Costa do Sol”, do “Grupo Madeirense Fados de Coimbra” e
o apoio logístico das entidades e, surpresa de sonho, abriram-se as ribaltas da
“Casa das Mudas”. E o sortilégio aconteceu!
Tecido de canto e poesia, o encontro
atingiu o clímax com o esvoaçar romântico das guitarras coimbrãs, o fado
clássico, as baladas, os textos e canções de intervenção, nas vozes de Luís Filipe,
António Macedo, Jorge Abreu, Carlos Bettencout. Subimos todos ao Penedo da
Saudade, descemos ao Choupal, ouvimos o repique da “velha cabra” da Torre da Faculdade, enfim, regressaram ‘os Amores do
Estudante’, vieram ‘O Cavaleiro e o Anjo’
e nem faltaram ‘Os vampiros, que comem tudo e não deixam nada”. Foi um momento
de catarse e libertação poder ouvir e acompanhar, de pleno direito, mensagens e
canções nascidas nos subterrâneos da ditadura cultural e política. Hoje, felizmente -
sublinhava o José Júlio - já ninguém nos
virá prender.
Noutro âmbito do encontro, sugiram os
testemunhos vivos de quem conheceu pessoalmente o Zeca, inclusive da minha
parte, evocando episódios marcantes da sua passagem pela Madeira, em 1976, e da
repressão a que foi sujeito, mesmo após o ’25 de Abril’. Incrível, mas
verídico!
Uma nota singular marcou este tributo:
a coincidência de realizar-se na Calheta. Foi desta freguesia e concelho que
saiu o grande compositor e intérprete do
Fado de Coimbra, Edmundo Bettencourt, cujas
criações José Afonso, mais tarde, viria a reinterpretar na sua voz inconfundível.
Enfim, duas almas gémeas e duas praias distantes – Aveiro e Calheta –
entrelaçadas nesta noite memorável!
Tudo muito terno e mobilizador,
impecavelmente sentido e interiorizado pelo público que encheu o auditório das “Mudas”!
A saudação que a AJA (Associação José
Afonso) endereçou desde o Continente para ser lida no final, coroou este inestimável
monumento de pura fruição espiritual, artística e social. À mesma hora,
realizava-se em Santarém o mesmo evento com memórias e canções, por outros
intervenientes, irmanados no espírito de idêntica mensagem.
A Fala
do Zeca, na lousa nº 1606 do cemitério de Setúbal, em homenagem ao 30º
aniversário da sua morte, poema já lido em Machico em 23 de Fevereiro de 2017,
foi como que a trombeta de campanha mobilizando-nos a todos para a mesma causa.
“Eu não morri, porque vivo em ti”.
Na ponte pênsil de 31 de Março para 1
de Abril de 2017, prolongou-se o abraço de gerações que, de pé e em espontânea apoteose, cantaram a alvorada de Portugal/74,
enchendo toda a sala com o intemporal Grândola,
Vila Morena.
Valeu
a pena!
31.Mar-01.Abr.2017
Martins
Júnior
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