“Como
é diferente o amor em Portugal” – desabafava orgulhosamente o purpurado português
Gonzaga, na Ceia dos Cardeais, esse
mimo de literatura do nosso Júlio
Dantas.
No
preciso dia em que escrevo estas linhas, direi, não com orgulho, mas com
preocupação: Como é diferente o episcopado em Portugal, sobretudo quando o comparamos com os seus pares franceses.
Enquanto no nosso país, as dioceses preparam jubilosamente a seda e a púrpura
das vestes pontificais para receber o Papa Francisco, em França os bispos estão
divididos e, com eles, os padres, os cristãos e as associações católicas em
geral. O caso é preocupante, tanto na pátria dos gauleses como noutros países e
regiões onde a Igreja se defronta ( ou é obrigada a definir-se) com as diferentes forças político-partidárias que
se degladiam democraticamente na encruzilhada eleitoral.
A
notícia do jornal Le Monde não deixa
dúvidas: “O episcopado francês, dividido face à Frente Nacional (FN) de
Marine Le Pen”. É esta mulher que está no pomo de uma discórdia semelhante à de
2002 quando o candidato era o pai Le Pen contra Jacques Chirac. E tudo
porquê?... Porque o comunicado oficial do presidente da Conferência Episcopal
Francesa, emitido logo após os resultados da primeira volta, em 23 de Abril, “não
apelava expressamente o voto contra a FN”.
E o debate está aceso, comenta a jornalista Cécile Chambraud.
O
nucleo do conflito cinge-se ao seguinte
dilema: os católicos votaram massivamente em Fillon, na primeira volta,
esperando que passasse à segunda, o que
não aconteceu. “Ficaram órfãos de candidatura”. E, agora em quem votar? Macron ou Marine?... Eis o nó górdio da
questão.
Por
um lado, o magistério do Papa Francisco tem-se desmultiplicado em censurar
duramente os regimes totalitários e xenófobos, apelando angustiadamente ao
acolhimento dos refugiados, por parte dos países europeus – o que
manifestamente subentenderia o repúdio da opção FN de Marine. Neste pressuposto, muitos bispos saíram abertamente
contra a FN, na linha do bispo de
Troyes e presidente da organização ‘Pax Christi France’, Monsenhor Marc Stenger
no seu twiter: “Qual será o nosso
boletim de voto em 7 de Maio”? E
respondia, de imediato: “Não será
seguramente o voto do medo, do ódio, da exclusão, da mentira, do fechar-se
sobre si mesmo”. Mais clara não podia ser a indicação de voto. Do lado
contrário, o bispo de Toulon, Dominique Rey, tido como conservador entre o
episcopado francês, alerta: “A Igreja deve limitar-se à apresentação de
princípios e não dar indicações de voto. É uma boa postura esta e é a minha
postura”. A corrente mais interventiva, porém, considera esta atitude como uma demonstração
de fraqueza, comparando-a com a de 2002, em que o episcopado mandou os
católicos votarem em Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen”. Entretanto, o
director da agência de sondagens, Jêrome Fourquet, reconhece que “é real e
patente a capacidade da FN em atrair
o voto dos católicos praticantes”. Acresce ainda o diferendo profundo entre
Marine e Macron relativamente ao casamento, à procriação medicamente assistida
e à situação dos homossexuais, teses liminarmente rejeitadas por Marine Le Pen.
Nesta delicada conjuntura, o jornal católico La Crroix e o semanário La Vie apontam directamente e sem
rodeios para o voto Macron. E o editorialista de Le Monde converge no mesmo sentido, ao citar um outro comunicado do
Conselho Permanente dos bispos franceses, datado de 13 de Outubro de 2016, onde
defendia o carácter pluricultural da sociedade francesa e denunciava “o
projecto da extrema-direita que “obriga os nossos concidadãos a fecharem-se
sobre si próprios, ( ‘os franceses autênticos’, diz a FN) e que nos isola em relação à Europa, com prejuízo das nossas
liberdades”.
É
neste ambiente de turbulência que se debatem os bispos de França perante o
cenário eleitoral de depois de amanhã. Não se deixam ficar falsamente imunes, sentados no cadeirão da indiferença,
porque sabem e sentem que está em causa o futuro do seu povo, católicos e não
católicos.
Resta-me
fazer um desafio: E nós, em Portugal, teremos uma Igreja sensível aos reais
problemas das populações?... Sendo certo que seria mais cómodo ‘lavar as mãos na bacia de Pilatos’, ouso perguntar a quem me lê: Como
interpretaria a hipótese de ver os bispos portugueses tomarem a veste interventora
dos seus pares franceses?... Caso sério que merece resposta!
05.Mai.17
Martins Júnior
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