Não
posso deixar de surpreender-me pelos milhares
de amigos que acederam ao meu último blog. Congratulo-me, sobretudo, por verificar
que, mais uma vez, o “Espírito sopra onde quer” (Jo.3,8)), seja na voz eloquente de um líder planetário, Francisco
Papa, seja no fio de luz que emerge, silencioso, no coração do mais humilde
camponês, debruçado sobre a terra arada da sua aldeia. Basta ficar atento à sua
passagem, porque o mesmo vento, tal como a corrente do rio, não passa duas vezes debaixo da mesma ponte.
Abraçar o Espírito ou repudiá-lo está nas mãos do destinatário/receptor.
E
com isto quero dizer claramente que o que sai deste teclado não pretende altear-se
como joeira da Verdade, nem muito menos impor-se a quem quer que seja. Bem pelo
contrário. Todas as opiniões são discutíveis, abraçáveis ou repudiáveis. Foi o
caso de alguém que, a propósito do meu penúltimo comentário sobre a trilogia
apoteótica - Fátima, Benfica e Salvador Sobral – achou que a presença do Papa
em Fátima não devia ser equiparada aos outros dois vitoriosos acontecimentos. Nem eu os alinhei no mesmo
grau axiológico, isto é, na mesma escala de valores. Pretendi apenas (e não é de
pouca monta) situar-me na psique e no gesto dos espectadores ou adeptos ou
crentes que se rendem incondicionalmente, alucinadamente, misticamente diante do “santuário” que mais ama. E é aí, no cerne
do fervor anímico que os três acontecimentos se encontram. Em pé de igualdade,
quanto à soma das motivações e ao clamor das reacções. Um interessante study case a aprofundar!
Hoje,
por exemplo, dar-me-ia um enorme prazer constatar - para valorar
ou depreciar - o labiríntico e, para muitos, escandaloso novelo que dá pelo nome de “negócio de Fátima”.
Um gordoroso sacro-milhões que se reparte pelos cantos e recantos, do centro à
periferia, da centenária azinheira. Os jornais mais sensacionalistas extravasam
as manchetes com as promessas, as velas, os terços (até têm registo de certificação
e já se esgotaram), medalhinhas, bentinhos, pagelas, brochuras e mais
brochuras, imagens, votos pios, leques e talismãs, tudo inflacionado e supostamente
abençoado com a marca industrial da casa: Fátima. Também há reportagens, na
porta dos hotéis, que divulgam em ‘negro berrante’, o preço de uma noite de
cama, 2500 euros. Noutro ramo de negócio, o das bebidas, lá vem o licor de
Fátima, o chá de Fátima, o vinho de Fátima e, a coroar o fumegante coctail,
chega Sua Excelência o “Champanhe do Centenário das Aparições”, um lote de 1917
garrafas, rigorosamente numeradas e
ilustradas com três pombinhas brancas saídas das mãos de um Papa. Tudo em
louvor da Virgem.
É
caso para formular a sabática pergunta “Quid
júris”? – que dizer a tudo isto?
Não
terei o espaço tolerável para estender aqui
opiniões e palpites, tanto da minha parte como de outrem, a dos amigos
que me lêem, talvez. Entretanto, atiro-me para a frente e atrevo-me a separar
as águas. Nestes termos. Em todo o tempo, mas hoje particularmente em que tudo
se reduz a cifras (“é a economia, estúpido!”, comenta-se), não espanta que onde
houver um aglomerado populacional, accionam-se os mecanismos e as trocas
comerciais. Assim nasceram as cidades medievais. E se, porventura, soarem as
campainhas avisando que “aí chega a Vedeta”,
então explode a febre negocial para responder à fome pavlóvica da multidão.
Compra-se tudo, guarda-se tudo e leva-se para casa, para um amigo, uma devota,
uma avozinha, uma cunhada do peito.
Ninguém
nega que o Papa, sobretudo, o Papa Francisco é uma vedeta mundial, queira ou
não queira. Portanto, em sua homenagem abre-se a bolsa e ‘levamo-lo’ para casa,
seja numa imagem, numa joiinha ou numa garrafa. Quanto aos alojamentos, funciona
a lei da oferta e da procura, queira ou não a Senhora. São benesses do chamado
turismo religioso. O mesmo fariam com os grandes artistas, futebolistas,
recordistas, conforme a “FÉ” que cada fã professa no seu santuário emocional. É inevitável a concorrência comercial, cada
qual faz pela vida, sem atropelar ninguém, muito menos o Sagrado. O comércio
laico não é o que me incomoda.
Perturba-me,
sim, e revolta-me a simoníaca frieza com que certos responsáveis da Igreja
vendem, de consciência enxuta, uma entidade que lhes não pertence – o Sagrado –
a troco do vil metal sonante com que vão comprar prazeres, quintas e palacetes,
carros topo de gama, enfim, a luxúria
que destrói o Sagrado. São os que forçam Maria-Mãe de Jesus a
ostentar-se como vedeta publicitária, contra a vontade dela. São os que se
sentam à mesa da Ceia comum e vão logo trocar o Mestre por milhares ou milhões
envoltos no saco dos trinta dinheiros. Mais grave, porque sabem o que fazem.
Não
consigo continuar. Apenas fico a pensar que há quinhentos anos houve um Papa
que, no Vaticano, vendia e fazia
trocos sobre o outro mundo – Céu,
Purgatório e Inferno. Foi o famoso caso das “indulgências”, que levou Lutero a
revoltar-se, fundando então, contra Roma, as religiões protestantes, hoje espalhadas
por todos os continentes.
Esta
é uma questão candente, inadiável, mas que nunca foi resolvida: as relações
entre a Igreja e o dinheiro. Cada qual reflicta, se lhe sobrar tempo, e
pronuncie-se. Da minha parte, vou já tomar um copo de água fresca, como se fora
o, infalivelmente, delicioso espumante, baptizado de “Champanhe de Nossa Senhora”.
17.Mai.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário